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Convergência tecnológica na TV Digital brasileira

Por Jaime Balbino

Data de Publicação: 11 de Outubro de 2006

Quem acompanha esta coluna já deve ter percebido que aqui não se apóia a tese de uma ligação casual entre Educação e Tecnologia. Tão pouco acredita-se na neutralidade da técnica ou das ciências, ou no mito do progresso natural e contínuo da humanidade. Aqui, toda a ação social (técnica, econômica ou científica) é intencional, apesar de suas conseqüências não serem completamente previsíveis e gerarem novos rearranjos sociais, mesmo que mínimos ou imperceptíveis.

O que acimenta essa nossa simbiose técnica-educativa é a inclusão social em seu sentido mais amplo. Isto é, a necessidade de criar estratégias para democratizar oportunidades para todos, sem distinção, inclusive de classe. Há necessidades específicas a serem atendidas entre aqueles com maior acesso aos meios mais avançados e estas necessidades diferem das que precisam ser saciadas - ou mesmo estimuladas entre aqueles que não possuem tal facilidade de acesso; no entanto, em ambos os casos há caminhos comuns que podem ser traçados e compartilhados. Um exemplo disso, acho eu, é a análise feita em um artigo anterior, onde o projeto da OLPC para comunidades pobres é utilizado para uma discussão mais ampla sobre a mobilidade em educação.

A TV Digital Brasileira, recentemente sancionada na forma de lei pelo Presidente da República também demonstra bem como as opções da sociedade dependem mais dos enlaces sociais do que das possibilidades tecnológicas. Vejamos, então, duas opções técnicas/políticas disponíveis e utilizadas hoje no mundo:

1. Manter o sistema de TV Aberta atual, outorgando as novas licenças para a TV Digital em outra faixa de freqüência num sistema pago, semelhante ou idêntico à TV a Cabo. 2. Ignorar as possibilidades de mobilidade e interatividade, deixando estes aspectos para serem explorados por outros meios e tecnologias, como a telefonia e os provedores de Internet.

A primeira opção é realidade no modelo de TV norte-americano e na Argentina, por exemplo, e poderia vir a ser também o modelo a ser estimulado no Brasil, apesar de enfrentar forte resistência cultural. Seria um processo semelhante ao ocorrido na mudança de nossa matriz energética de hídrica para gás natural, que teve a experiência norte-americana como base e ignorou muitas das nossas diferenças geopolíticas.

A segunda opção também é realidade hoje em diversos países, exceto, talvez, o Japão e o Brasil. Mas cabe aqui uma observação conceitual anterior: o termo convergência muitas vezes aparece mais como simples discurso do que como prática da indústria. Tomando mais uma vez o modelo norte-americano, vê-se que as diversas mídias (televisão, telefone, Internet, impressos, etc...) tendem a manter características próprias que as diferenciam e as justificam nos nichos e segmentos sociais em que atuam. Se há convergência, ela está nos grandes conglomerados que as controlam.

Ao contrário do Brasil, onde a lei é um pouquinho mais restritiva quanto ao monopólio dos meios de comunicação (em comparação com os EUA, sempre!), lá uma mesma empresa ou grupo pode controlar diretamente vários canais de TV, jornais, revistas, provedores de serviços, etc... Isto faz com que se mantenham as característica primárias dos meios: a televisão é passiva, enquanto a Internet ou o celular são interativos. O conteúdo que circula por eles pode até ser o mesmo (já que é distribuído pela mesma empresa), mas deve ser modificado ou adaptado conforme o caso. Quando a convergência é inevitável, como a união do vídeo com a Internet ou a distribuição de músicas no formato digital, cria-se um novo meio ou um novo serviço independente (ou quase), como a ipTV ou o iTunes.

Agindo assim, é possível manter um ciclo econômico virtuoso, onde os novos serviços demandam novos produtos e, posteriormente, novos serviços. Estes serviços atendem às necessidades sociais e os cidadãos adquirem aquilo que lhe convêm. Esta lógica mercantil está longe de ser condenável, mas seu pleno funcionamento depende de um mercado consumidor extremamente grande, só existente hoje em poucas localidades do mundo, a saber: EUA, China e, talvez, União Européia.

(Para o resto do mundo, este modelo só é rentável quando se agrupam diversos países e/ou continentes. Isto significa distribuir praticamente os mesmos produtos, serviços e conteúdos para todo o mundo. Este é, a grosso modo, o sentido da globalização neoliberal de que tanto ouvimos falar na última década.)

Em contrapartida, a convergência "brasileira" - digamos assim – aplicada na TV Digital está baseada na evolução do meio e não na sua fragmentação. Não temos o mercado potencial e nem o perfil do consumidor norte-americano para promover o acesso às novas tecnologias de maneira dispersiva e concorrente. Por isso, no modelo de TV Digital brasileiro, a interatividade e a mobilidade são características fundamentais para se promover a inclusão social por três motivos:

1. Já existe ampla cobertura, cultura social, investimentos e conhecimento técnico 2. É técnica e economicamente possível 3. A inclusão social ocorreria em menos tempo

Quanto ao primeiro ponto creio não ser necessário maiores esclarecimentos, já que é notória a inserção da TV na cultura brasileira e o alto nível da nossa produção televisiva nas mais diversas áreas.

No segundo ponto temos mais uma vez o óbvio. Hoje é possível tecnicamente esta convergência, como também é possível elaborar um modelo macroeconômico que o viabilize no contexto brasileiro. As razões para se investir nesta convergência estão puramente ligadas aos posicionamentos políticos da sociedade e, no nosso caso, à sensibilidade dos nossos governantes.

Fosse outra a realidade política, poderíamos hoje nos "orgulhar" de ter um sistema semelhante ao europeu ou ao norte-americano. E só. Mas a vontade política, baseada antes na compreensão das necessidades sociais e na conversão consciente da tecnologia em ferramenta para inclusão, permitiu este "algo a mais" que torna o caso brasileiro único.

No terceiro ponto a conta é simples: o processo de expansão de qualquer outro novo meio necessita de altos investimentos e da aquisição pela população de produtos que possibilitem o acesso (computadores, celulares ou o que venha a surgir no futuro). Este processo depende enormemente do preço final dos produtos e serviços para a população e do seu poder aquisitivo. Por mais que tenhamos um forte crescimento econômico nos próximos anos, ainda levaria muito tempo para que um novo meio cubra todo o país e para que as classes mais marginalizadas tenham como adquirir seus produtos e serviços. Com a TV, grande parte destas barreiras técnicas e econômicas inexistem.

Mas não é um erro aprofundar ainda mais o nosso oligopólio dos meios de comunicação ao transformar as emissoras de TV, que já produzem, exibem e comercializam todo o seu conteúdo dominando todas as etapas do mercado, também em provedores de serviços de banda-larga?

A resposta é: sim! E é tão perigosa e indesejável esta possibilidade que isto não deve ocorrer. Mesmo sendo tecnicamente possível, não é politicamente e nem socialmente interessante já que além de ampliar enormemente o monopólio estaríamos também possibilitando o controle do conteúdo na Internet. Por exemplo, talvez não fosse mais possível ouvir música ou distribuir vídeos, já que isto poderia ferir direitos da emissora de televisão.

Então qual é a solução? No mesmo decreto que instituiu a TV Digital, o Estado se deu 4 canais de televisão de abrangência nacional, eles serão voltados para educação e serviços ao cidadão (e-governo). Creio que somente estes canais terão a interatividade e podem ficar limitados a localidades onde a iniciativa privada não tenha interesse em atuar. O atual governo já adota estratégias semelhantes por meio de projetos como o Gesac

Com o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Interativa há ganhos e perdas, é claro. E estes ganhos e perdas não se medem em isolamento tecnológico, dependência solidária, sansões econômicas brancas ou qualquer outro terrorismo ideológico dos críticos liberais. Mede-se, principalmente, na maior agilidade do Estado para promover a inclusão de toda a população de um país tão desigual e nas conseqüências de se manter o mesmo parque de receptores, tendo em vista que não haverá necessidade de troca de aparelhos.

Não comentei neste artigo algumas questões muito relevantes levantadas nos momentos finais antes da promulgação da lei federal que envolvem a escolha do padrão e a democratização dos meios de comunicação. Para uma posição minha sobre estes assuntos na época sugiro um comentário meu postado na lista ead-l

Sobre os autores

Jaime Balbino Gonçalves

Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.

jaimebalb (em) gmail (ponto) com

Marcos Silva Vieira

Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.


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