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O que um cabo de R$ 7,00 ensina sobre o consumidor

Por Carlos Nepomuceno

Data de Publicação: 20 de Julho de 2007

Prática de vender impressora sem o cabo divide os leitores e abre um grande laboratório coletivo sobre como as pessoas pensam de maneira distinta sobre consumo e uso, relação com fornecedores e publicação online.

Publiquei um artigo, semana passada, que abordava o meu espanto e desagrado com a política da HP de não enviar na caixa, junto com os outros acessórios, um simples cabo USB de R$ 7,00 reais -- item fundamental para que uma impressora de R$ 500 se conecte e passe a funcionar.

Mais: denunciei e me surpreendi também em observar que o site Submarino ainda continua a censurar mensagens negativas de produtos enviadas por leitores. Não publicaram o meu protesto e nem enviaram a justificativa, quando avisaram que não iam publicar, apenas uma carta padrão, que aponta para regras gerais.

Os dois artigos -- quase iguais -- e os comentários podem ser lidos no Webinsider e no Dicas-L.

O que me surpreendeu foi a quantidade de comentários aos dois, (até o momento mais de 200) que complementam a informação e apresentam uma visão geral sobre o problema. E abrem um grande laboratório coletivo de como as pessoas pensam de maneira distinta sobre consumo e uso, relação com fornecedores, publicação online, etc.

(Esse tipo de tema -- defesa do consumidor -- me parece que mexe com as pessoas e particularmente esse problema do cabo, um absurdo pela falta de explicação lógica.)

Posso resumir o debate da seguinte maneira, em relação ao cabo:

A maioria não concorda com a política da HP em não enviar o cabo, mas há quem defenda que já é uma prática do mercado e que cabe ao usuário aceitá-la.

Em relação à política da Submarino:

A maior parte se mostrou também surpresa, muitos apresentaram problemas similares. Mas também há quem defenda o direito da empresa em não publicar determinados comentários que deponham sobre determinado produto.

Em segundo plano, podemos dizer que há muitas sugestões para que o usuário se informe ao máximo antes de comprar um aparelho, o que é um bom conselho. Mas que isso não deve ser motivo para que os fabricantes não informem até o extremo e de todas as formas, eliminando as dúvidas possíveis dos consumidores.

Na verdade, entretanto, o grande ensinamento, muito mais que o cabo de 7 paus, foi sobre o próprio processo da publicação e discussão com os leitores, o que nos leva a pensar sobre o mundo Web 2.0, que estamos entrando.

Nessa nova etapa precisamos, sem dúvida, mudar um pouco nossa cabeça, nossa maneira de pensar o mundo e até diria de como vemos o outro ser humano. A interação pressupõe duas coisas:

  1. Por mais que eu tenha dados, eles sempre estão incompletos e serão atualizados ao longo da conversa -- ninguém sabe tudo e nem viu tudo;

  2. Por mais que eu ache que a minha opinião é a melhor do mundo, sempre terá alguém que vai pensar de forma diferente e isso enriquecerá de alguma forma meus argumentos, mesmo que seja para concordar ou rebatê-lo.

Para nos prepararmos, de fato, e não no discurso para esse nosso ambiente, precisamos passar a praticar algo que hoje não é valorizado no mundo atual, a tolerância.

E tolerância passa principalmente por tentar entender o ponto de vista do outro -- pelo outro -- e não sob o nosso ângulo. Se não for assim, estaremos na verdade, monologando, ou querendo apenas eco para nossas idéias. E isso não é interação, mas pregação de surdos (não me coloco fora desse balaio, diga-se de passagem).

Isso, no fundo, é algo que ocorre, de certa forma, nos sites cada vez mais especializados, reunindo pessoas com o mesmo perfil, que acabam criando um sentido estranho de verdade, ou melhor, .a nossa verdade..

E como há sempre um consenso sobre .a nossa verdade., perdemos a noção do todo. Aqui todo mundo pensa assim. Ok, mas o mundo lá fora pode pensar diferente.

E passamos a considerar que como nós sabemos que o cabo não vem, o mundo sabe, ou o mundo deveria saber e se informar e aceitar da mesma forma, como eu aceitei.

No fundo, deveríamos nos esforçar para algo assim:

Não me incomoda tanto que o cabo não venha, mas posso entender que para um usuário mais leigo ou para um que não esteja embrenhado nos meandros da tecnologia, isso pode realmente ser um problema e levar a um grau de irritação.

Do outro lado:

Não me incomoda tanto que o fato de aceitarem que o cabo não venha, mas posso entender que para um técnico de informática embrenhado nos meandros da tecnologia, isso pode realmente ser um problema menor e não levá-lo a um grau de irritação como eu fiquei.

Ninguém mudou de posição, mas se percebe que dependendo do ponto de vista e da experiência se pode chegar a visões distintas sobre o mesmo problema. E ter até mais argumentos para trazer um ou outro lado mais para uma posição moderada.

O mesmo digo das duas empresas, que deveriam ser menos intolerantes. A HP já tem essa prática faz tempo. É óbvio que o problema tem gerado ruído. Pesquise no Google por .cabo usb Hp problema.. A empresa mandava o cabo e resolveu não mandar mais. O usuário fiel da empresa merecia uma explicação, bem como, os detalhes do novo cabo, que apuramos precisa ser específico e de um tamanho ideal.

Mais: a empresa mudou o padrão dos cabos. Como o usuário muda de quatro em quatro anos de impressora, a geração antiga está se deparando agora com as novas impressoras USB. A HP é, assim, surda para o que o consumidor tem dito faz tempo.

Será que não existe no mundo nenhum cabo confiável que elas possa enviar? E, se não manda, não merecemos uma carta com explicação da mudança de política? Veja que a empresa está fechada para aprender com seus consumidores. É a anti-web 2.0.

Eles sabem do problema, tanto que os atendentes recebem as reclamações, mas não se mexem. Os profissionais do help-desk ainda não são os conselheiros da empresa, mas serão no futuro.

O caso da Submarino é tão grave quanto.

A Submarino induz ao erro. Importou a idéia da colaboração dos leitores da Amazon, como algo moderno, mas quando alguém crítica, resiste ao máximo em publicar. Mandam uma carta sem explicação detalhada do motivo pela qual não vai publicar o problema.

Ou seja, não querem criar um debate em torno do produto, informar ao máximo o leitor, ser mais do que uma loja, mas um espaço de conhecimento sobre cada item, no qual o usuário pode confiar em estar fazendo um bom negócio. Não, a colaboração é algo de fachada não para ser moderno, mas para parecer moderno.

A atitude é perversa, pois ao entrar no site da empresa e ver os comentários aos produtos, o comprador não sabe que o usuário que teve problemas com o dito cujo está tendo dificuldades para publicar o problema naquele ambiente.

É meia Web 2.0. Ou melhor, é Web 2.0 se interessar a venda. Se não interessar, não é Web 2.0.

É a Web 2.0 fake.

Esses traços de intolerância, autoritarismo, falta de diálogo das empresas e também dos consumidores fazem parte do grande desafio que temos agora, no qual o outro estará cada vez mais presente na nossa vida.

Precisamos dele para sobreviver na tsunami da informação. Temos que reaprender a conversar e dialogar se quisermos viver em um planeta melhor. Foi um pouco o que aprendi nesse longo debate sobre um cabo de R$ 7.00. Sinceramente, não esperava que um cabinho fosse valer tanto!

Sobre o autor

Carlos Nepomuceno é Doutorando em Ciência da Informação pela Universidade Federal Fluminense é consultor e jornalista especializado em Tecnologia (Informática e Internet), com larga experiência em projetos nestas áreas. Foi um dos primeiros webmasters do Brasil. Atualmente, presta consultoria permanente para as seguintes instituições: Petrobras, IBAM e Sebrae-RJ. É professor do MBA de Gestão de Conhecimento do CRIE/Coppe/UFRJ, com a cadeira "Inteligência Coletiva" e coordenador do ICO - Instituto de Inteligência Coletiva.

É autor, com Marcos Cavalcanti, do livro O Conhecimento em Rede Publicado pela Campus/Elsevier, é o primeiro livro no Brasil a discutir a WEB 2.0, a levantar paradigmas quanto à inteligência coletiva e a mostrar, na prática, como implantar projetos desta natureza. O livro trata desta nova revolução cultural, social e tecnológica a que todos estamos expostos.

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