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De corpo e alma no Laptop do MIT

Por Jaime Balbino

Data de Publicação: 06 de Setembro de 2006

Este é o primeiro de uma série de artigos sobre o"laptop de US$ 100", ousado e inovador projeto iniciado por Nicolas Negroponte, notório ex-diretor do MIT . Meu objetivo será analisar suas diversas facetas, num esforço para desvelar sua complexidade e situá-lo como projeto educacional para as massas. Nesta primeira abordagem falarei sobre as motivações do projeto e da estrutura técnica e pedagógica construída para viabilizar seus objetivos sociais.

2B1 é o novo nome do que ficou conhecido como "laptop de US$ 100", da organização OLPC (One Laptop per Children). Ele é um computador móvel de baixo custo específico para crianças. O objetivo é que seja distribuído por governos nacionais de países em desenvolvimento dentro de um novo modelo de ensino público e inclusão social. Além de integrar de forma harmoniosa a tecnologia e a educação, este projeto também coloca em pauta vários outros aspectos sócio-econômicos, principalmente ao dar status de consumidor às comunidades em extrema pobreza (a grande maioria da população mundial) e ao ajudar a redefinir as prioridades da evolução tecnológica recente (velocidade, capacidade, poder de processamento) em benefício de aspectos gerais (eficiência, baixo custo, necessidade). Esta é uma iniciativa inovadora não em virtude da tecnologia empregada, mas pela possibilidade de provocar uma reordenação social e política sem precedentes nos países e comunidades onde for implementado.

O corpo:

O 2B1 não é um computador desktop, ele não se destina ao mesmo público, às mesmas aplicações e à mesma lógica comercial. Apesar do uso do termo "laptop", ele guarda também pouca semelhança com tais equipamentos: seu hardware é diferente, seu uso é mais específico e ele trabalha outros (e novos) aspectos da relação homem-computador. Se há um ano o termo serviria para enquadrá-lo, hoje prefiro colocá-lo em uma nova categoria (que tratarei em um futuro artigo), mais lúdica e condizente com sua real vocação: Central Multimídia Pessoal.

Suas características:

  • Duas configurações físicas: laptop e ebook/game (com o teclado e o touchpad ocultos sob o monitor).
  • É bem pequeno: 23 x 9 x 6 cm
  • 1 processador AMD Geode de 500MHz;
  • 128 MB de RAM e 512 MB de memória flash expansíveis via cartão SD (não possui disco rígido);
  • Monitor de 1200x900px de 7,5’ com 200dpi (mesma resolução dos atuais laptops). Possui dois modos de funcionamento: preto e branco (menor consumo e resolução máxima, para leitura de ebooks e navegação) e colorido com 640x480px.
  • Teclado de borracha (os protótipos tem usado um modelo idêntico ao dos laptops da Apple). O touchpad é extra-largo e além de apontador/mouse serve também como área de escrita e desenho.
  • Rede wirelles Mesh. O que torna cada laptop um roteador, mesmo quando desligado. Uma única máquina ligada à Internet pode distribuir o acesso às outras, em cascata.
  • Câmera de vídeo de 640x480px integrada e VoIp.
  • Som estéro de qualidade, já prevendo seu uso na produção musical.
  • 3 portas USB e 1 entrada para cartão SD.
  • Exclusiva entrada para "sensores externos" para captar informações do ambiente através de dispositivos criados pelas próprias crianças, transformando o laptop em osciloscópio, termômetro, multímetro, etc...
  • Uma versão "light" do sistema operacional Linux. Sendo que todos os demais softwares e conteúdos terão licenças semelhantes ou idênticas à GNU GPL e Creative Commons.
  • Bateria: NiMH sem toxinas, realimentadas pela rede elétrica, por mini-centrais de energia solar ou por esforço humano (a manivela original foi descartada por questões práticas)
  • Consumo: entre 0,2W a 2W.
  • Construído com materiais mais resistentes do que os sugeridos pela indústria.
  • Durabilidade mínima de 5 anos.
  • Custo final: US$ 125,00 (em 2007); US$ 100,00 (em 2008), e US$ 50,00 (em 2010). Com o pedido mínimo de 1 milhão de unidades.

    Obs: Apesar da pouca quantidade de memória flash o 2B1 possui um novo e eficiente sistema de compactação dinâmica de dados que chega a quintuplicar a capacidade nominal. Considere-se ainda a expansão via cartão SD e também o uso da rede Mesh para acesso a dados armazenados na rede.

Esta é, antes de tudo, uma grande inciativa educacional, por isso todas as soluções em hardware e software tem o objetivo de viabilizar um modelo pedagógico, baseado em grande parte no construcionismo de Seymour Papert (notório cientista e educador, criador na década de 60 da meta-linguagem educacional Logo, membro da OLPC e do MIT). Neste modelo a prática é anterior à teoria, que deve ser desenvolvida a partir das atividades de sistematização dos alunos. Futuramente, em outro artigo, analisaremos os conceitos pedagógicos envolvidos e suas conseqüências práticas.

Não existe nenhum 2B1 plenamente funcional, mas isso é questão de (pouco) tempo. Para um projeto que nasceu há quase 2 anos com a pretensão de reinventar o computador os avanços técnicos se dão a passos cada vez mais largos: há algumas semanas o monitor dual-mode de baixo consumo foi apresentado (esta é a parte técnica mais crítica do projeto); as primeiras motherboards foram distribuídas em todo o mundo há pouco mais de 1 mês; o primeiro sistema funcional rodando linux surgiu há 5 meses; e os primeiros modelos não-funcionais (para discussão do design) foram apresentados há quase 1 ano.

A alma

O 2B1 atingirá os alunos, professores e demais profissionais de ensino de igual modo. Mas também irá influenciar a vida da família e da comunidade, pois as crianças o levarão para casa e é impossível evitar o contato dos adultos e das outras crianças com a ferramenta. Daí termos diversos atores sociais, com diversos roteiros/interesses, em cenários distintos, alguns deles desempenhando mais de um papel (como os alunos no cenário da escola e no de sua casa). Desta forma, além do sistema operacional e da GUI (interface gráfica e programas fundamentais), há muitos outros software e serviços que devem ser desenvolvidos,

  • Softwares educativos para ensinar matérias curriculares e habilidades específicas;
  • Softwares educativos informais, lúdicos, jogos, leitor de ebooks e programação;
  • Softwares de suporte a material de referência para alunos e professores;
  • Softwares de apoio ao professor e às aulas;
  • Softwares para gerência das classes e das escolas, incluindo modelos de avaliação;
  • Softwares para apoiar necessidades específicas dos pais e da comunidade e
  • Criação de conteúdos (educacional ou não)

Um dos softwares mais interessantes em desenvolvimento é o Sugar. Ele será a GUI (interface gráfica) e viabilizará a criação e o compartilhamento de conteúdos, integrando atividades como editores (texto, wiki, desenho, música, etc...), navegador (baseado no Mozilla/Gecko) e ferramentas de comunicação. Escrito em Python, uma das principais linguagens no desenvolvimento do projeto, ele inova ao colocar a colaboração em primeiro plano. Você pode instalar, testar e até ajudar a desenvolver o sugar e o linux nos links abaixo.

É necessário ensinar programação também (o Python e o GPL não foram escolhidos por acaso), afinal, os programas tem que ser testados, traduzidos, adaptados, melhorados e documentados. Por mais que a grande maioria não crie programas completos para o projeto, se apenas 1% participar de alguma parte desse processo, já teríamos mais de 10 mil pessoas programando no primeiro ano.

A riqueza do conteúdo (didático ou não) é fundamental: os professores têm que ter material de qualidade para selecionar durante a preparação de suas aulas. Este conteúdo deve ser amplamente distribuído e aprimorado (tal qual o software), por isso todo o conteúdo tem que seguir os princípios do copyleft. Qualquer um pode criar conteúdo para o 2B1, basta ter algum conhecimento para compartilhar. Crie ou colabore com algum verbete na Wikipedia, ela será uma das principais fontes de conteúdo do projeto.

Espero ter conseguido passar a complexidade, os desafios e a beleza do trabalho da OLPC. Em outras oportunidades esmiuçaremos os pontos acima e abordaremos outros aspectos do 2B1. Lembre-se de que projetos para mudar o mundo sempre precisam de voluntários Se puder ajudar siga um dos links abaixo ou crie algo seu e depois compartilhe. Um abraço, e até a próxima.

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Sobre os autores

Jaime Balbino Gonçalves

Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.

jaimebalb (em) gmail (ponto) com

Marcos Silva Vieira

Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.


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