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Dois mundos, duas licenças

Colaboração: Rafael Evangelista

Data de Publicação: 18 de Setembro de 2004

Fonte: Planeta Porto Alegre

Por trás de um contrato que deve ser incondicionalmente aceito, o software proprietário esconde várias limitações ao usuários. Já as licenças livres promovem o compartilhamento

Embora o termo software livre seja ligado, usualmente, ao sistema operacional GNU/Linux (o GNU De Richard Stallman mais o Linux de Linus Torvalds) ele é muito menos do que isso. Para que um software seja livre, ele não precisa ter nem uma linha de código desses programas mais famosos. Basta que a sua licença incorpore filosoficamente os princípios hackers que foram sistetizados por Richard Stallman ? e descritos juridicamente por Mark Fischer.

Quando alguém vai até uma loja de software e compra uma caixinha contendo os CDs de instalação de algum programa, essa pessoa está, na verdade, adquirindo apenas o direito de usar aquilo. Ela nunca será dona do sofware, que continua de propriedade de seus autores. É como quando se compra um CD de música ou um filme em DVD: você pode ouvir ou assistir aquilo mas não pode vender cópias e nem mesmo vender uma versão alterada do original sem a permissão do autor ? um remix, por exemplo.

Aceite ou desista

Porém, no caso do software, as condições de venda são ainda mais duras. Acompanhado dos CDs de instalação está um documento com valor jurídico chamado licença. Nela estão descritos os direitos e os deveres ? sim, deveres ? dos ?usuários? - não donos, nem proprietários - daquele programa. Os verdadeiros donos, os detentores dos direitos autorais ou das patentes, colocam certas restrições para os usuários, estipulando o que ele pode fazer ou não com programa. Na prática, é como se as gravadoras pudessem dizer em que aparelho os CDs podem ser tocados ou como se uma editora pudesse limitar quem pode ler os livros que ela publica.

Para que um software seja livre, essa licença precisa ser filosoficamente, ideologicamente diferente das licenças proprietárias (do Windows, por exemplo). Quando alguém compra um programa proprietário, na verdade adquire o direito de usar algo que é de propriedade de outro. Para usá-lo, é preciso aceitar as limitações impostas pelo proprietário. Já para usar um programa livre não é necessário nem ao menos aceitar a licença nele contida. A liberdade é um princípio básico.

Isso, no entanto, não significa que não sejam colocadas certas restrições. Um programa livre sempre permite o uso, o estudo, a alteração, e distribuição de seu código e de sua documentação ? os manuais de uso. Mas, enquanto os dois primeiros pontos nunca são restringidos, a alteração e a distribuição é disciplinada. Ninguém pode pegar um programa livre e torná-lo proprietário, tornar seu o que foi feito por outro, mesmo que você tenha alterado o código, mesmo tendo melhorado o programa que recebeu.

Usuários escolhidos

As restrições, na verdade, são muito pequenas se comparadas às impostas pelo software proprietário. Elas apenas disciplinam algo que é impossível em softwares como o Windows, ou seja, olhar e modificar o código. Já aquilo que os sistemas proprietários disciplinam ? a execução e o estudo do código ? é algo permitido de forma irrestrita pelas licenças livres. Cidadãos de países considerados inimigos dos EUA, como Cuba, que são sujeitos a sanções comerciais, não podem usar os produtos da Microsoft.

Uma leitura atenta do texto das duas licenças mais emblemáticas de cada mundo revela como há uma distância grande entre elas. A GPL, Licença Pública Geral, é a mais empregada das ?livres? e foi a primeira em seu grupo. A EULA, Acordo de Licença para o Usuário Final, é a que rege, com algumas pequenas variações de acordo com os softwares, os produtos da Microsoft.

Entre um manifesto e um contrato de negócios

A diferença começa pela própria linguagem empregada. Ambas são instrumentos jurídicos, ou seja, de leitura não muito agradável. Mas a GPL parece sempre querer se distanciar disso. Nela, quem fala não é uma entidade jurídica, sempre na terceira pessoa, mas o coletivo. O ?nós? é sempre usado ? ?queremos proteger...?, ?queremos evitar...? - seja literalmente ou de forma implícita. Antes de qualquer norma, ela coloca explicações, justifica as restrições que estabelece. ?Para proteger seus direitos, necessitamos fazer restrições que proíbem que alguém negue esses direitos a você ou que solicite que você renuncie a eles?, diz. A GPL é quase um manifesto.

Mas essas diferenças vão além da construção do texto. As restrições colocadas pela EULA são tantas que é provável que muitos usuários violem seus termos sem saber, o que coloca mesmo aqueles que adquirem a licença ? e não usam software pirata - na ilegalidade. Quem compra uma caixinha com Windows, ou adquire um computador com o sistema pré-instalado, tem até trinta dias para ?ativar? o produto. Isso significa enviar à Microsoft, por telefone ou pela internet, algumas informações sobre o usuário.

Logo quando o software é instalado, é pedido que o usuário aceite as condições da EULA. Instalar o sistema operacional ou ativá-lo significa concordar com seus termos, nenhuma cláusula é negociável. E uma delas diz: ?Você concorda que a MS, a Microsoft Corporation e suas afiliadas podem coletar e usar informações técnicas recolhidas de qualquer forma como parte do suporte oferecido a você, se houver algum, relacionado ao software.? Não é dito o que pode e o que não pode ser considerado informação técnica.

A mesma cláusula ainda estipula que essa informação pode ser usada pela Microsoft ou suas afiliadas ?somente para a melhoria dos produtos ou para oferecer serviços e tecnologias adaptados para você?. Ou seja, a empresa exige recolher dos usuários informações que serão úteis para a melhoria de seus produtos ? e, portanto, proporcionarão à empresa melhorar sua participação no mercado. Mas ela não oferece nada em troca além da oportunidade de o usuário comprar um novo produto.

Cada computador uma licença

E há ainda as limitações para a instalação. Enquanto os software livres podem ser instalados em quantos computadores e em quantas máquinas o usuário quiser, a EULA, na sua versão típica, limita a instalação a apenas uma máquina. Cada pacote de software deve pertencer a um único computador. Se ele foi comprado com o sistema operacional, este só poderá ser vendido acompanhado do computador.

As limitações atingem também os periféricos que poderão ser instalados e os computadores em rede que poderão fazer uso de serviços do sistema operacional. Algumas versões da EULA do Windows limitam o número de processadores a serem usados no computador que o software está instalado. A EULA do Windows XP Home Edition limita a cinco o número de aparelhos que podem estar ligados ao computador.

Projetos como o dos Telecentros, iniciado pela prefeitura de São Paulo, não poderiam acontecer se os softwares utilizados não fossem livres. Os Telecentros são formados por um servidor e várias máquinas clientes, terminais. Ou seja, há um computador central, mais potente, que recebe os comando de outros, mais simples e baratos, que apenas emitem as instruções e recebem os resultados. A licença do Windows XP Professional, usado em redes, permite que no máximo 10 máquinas usem seus serviços de internet e impressão. Nos Telecentros, há de 10 a 25 clientes para cada servidor.

As limitações impostas pelas licenças proprietárias não existem por acaso, assim como as liberdades do software livre. Elas resumem um modelos de negócio diferentes. No modelo proprietário, uma empresa desenvolve um produto, com um certo gasto, e consegue multiplicar ao infinito seus lucros, pois vende cópias de algo que pode ser reproduzido, o código. O modelo de negócio livre é outro, intrinsecamente mais justo. Afinal, algo que foi produzido cooperativamente, por uma comunidade, deve permanecer livre para todos e pode ser copiado sem custos para ninguém. Ganham todos e não apenas o monopólio.

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