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Crítica, Liderança e Crescimento - parte 2

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 28 de Abril de 2011

Dona Ione, minha mãe, dizia que eu parecia ser o ouvinte perfeito, com ênfase no "parecia". "O Cesar presta uma atenção danada quando ouve uma bronca ou uma crítica, mas entra tudo por um ouvido e sai pelo outro... No fim ele faz tudo do jeito dele!"

Eu nunca concordei muito com essa afirmação da minha mãe, mas admito que sou meio lento no processamento de críticas. A verdade é que me apaixono demais por certas coisas que faço e o amor, mais do que cego, é surdo. Ou pior, seletivamente cego e surdo.

Quando voltei a trabalhar para a Tandem Computers, se não me engano em 1996, eu vinha com uma bonita bagagem resultante da minha aprendizagem como analista de marketing da ACI, tutoriado e tutelado pelo Spencer Lewis, como contei em meu artigo anterior. Assumi a posição de gerente de vendas para a área financeira e estava "me achando". A primeira coisa que a empresa fez, muito sabiamente, foi colocar-me em um curso de vendas, o Solution Selling, no centro de treinamento da Tandem em Cupertino, na Califórnia. Eu já estava bem menos resistente e havia eliminado meu preconceito quanto à literatura sobre vendas, mas confesso que aceitei fazer o curso, na época, mais pela viagem mesmo. A sede da ACI era em Omaha, no estado de Nebraska. Adoro Omaha, mas há de se convir que na Califórnia tem muito mais o que se ver e fazer.

Primeiro dia de curso, a recepcionista indicou-me a sala. Entrei, o instrutor já estava lá com meia dúzia de gatos pingados. Pediu-me gentilmente que eu fechasse a porta e postou-se à minha frente, cara-a-cara e gritou: "NÃO! NÃO! NÃO!", muito mais alto do que dá para escrever aqui. Eu não sabia se corria porta afora, se me mijava ou se cagava a pau o instrutor. Na dúvida, humildemente, pedi desculpas. Acho que era o que eu fazia quando a Dona Ione me dava uma bronca. Os gatos pingados caíram na gargalhada. Uma delas era a auxiliar do instrutor e havia chegado bem cedo, junto com ele. Todos os demais eram alunos do curso que haviam chegado antes de mim. O instrutor disse: "Essa é a tua primeira lição. NÃO é a palavra que mais vais ouvir em um processo de vendas. Agora senta que eu vou dizer pra recepcionista que já pode mandar entrar o próximo que chegar."

Eu odiava os vendedores que ficavam, a meu ver, enrolando os clientes na entrega de propostas. Quando eu trabalhava em pré-vendas eu conversava com a equipe técnica do cliente, entendia suas necessidades e dimensionava uma solução que atendesse a maior parte delas descrevendo, também, o que seria preciso desenvolver. Aí eu entregava todo o meu estudo ao vendedor. Os técnicos do cliente ficavam me ligando, pedindo para que mandássemos logo a proposta. O vendedor ficava lá, olhando o que eu tinha escrito, fumando um cigarrinho, convidando-me para um café para perguntar sempre as mesmas coisas e segurando a proposta. Eu ficava muito puto!

Depois que todos os alunos estavam na sala, o instrutor convidou-nos a fazer um exercício de vendas e pediu por um voluntário. Lá fui eu! Ele havia estudado os produtos da Tandem e representou o papel de um potencial comprador. Eu teria que vender meu produto. Ele descreveu sua necessidade e eu despejei as maravilhas que nossos produtos poderiam fazer por ele. Ele pediu-me uma proposta e eu prometi enviá-la a ele assim que eu chegasse no escritório. Eu fiz tudo errado!

Conversar com os técnicos do cliente em um processo de prevendas é uma coisa. Entender de que forma o cliente vai se beneficiar, financeira e estrategicamente com um produto, é outra completamente diferente. O Jorge Humberg, que hoje deve estar vendendo harpas e flautas aos anjos, entendia bem isso. O método "Solution Selling" é uma coisa meio zen, fala da venda honorável, do comportamento perante o cliente e do exercício pleno da visão, da audição e da reflexão. Tudo o que eu xinguei mentalmente o Jorge foi uma injustiça que só fui entender nesse curso. Eu não pude me desculpar dele em vida, mas tá valendo agora, né Jorjão amigo? Aqueles minutos queimados no teu cigarrinho renderam milhões para muitas empresas...

Eu acho que a gente vai aprendendo a processar as críticas de forma mais rápida porque o tempo que temos para nos desculpar vai diminuindo. Eu ainda lembro da tristeza do capitão Picard, olhando as fotos de seu sobrinho e constatando que tinha menos anos a viver do que os que já tinha vivido. Tô mais ou menos assim. Ainda tenho muito o que fazer e muitos anos produtivos, mas estou muito mais atento às críticas e as estou processando muito mais rapidamente.

Este artigo vai com um abraço para o Mário Souza, para o Márcio Moreno, para a Isabela, para a Diane, para a Lúcia (lá no céu), para o Sérgio, para o Chico, para o Uillammes (acho que é assim) e, em especial, para o Bernardo Wolak. O Bernardo era o presidente da Tandem na minha primeira passagem pela empresa, quando eu ainda não tinha aprendido a ouvir direito.

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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