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Ficção Científica? #2

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 21 de Julho de 2008

Incentivado pelos leitores, resolvi escrever mais uma parte da história que iniciei no final de março desse ano. Espero que gostem!

-oOo-

"Encontrei alguns registros. Eu os transmitirei imediatamente ao computador da nave para ver se é possível a recuperação. A última data de posicionamento dos sensores é de mais de quinhentos anos. Parece ter havido uma falha, mas não há evidência de uma tentativa de reparos..."

"É impressionante o cuidado dessa vegetação. Não consigo ver possibilidade alguma disso tudo ter evoluído de forma tão ordenada e sem atenção..."

Nadja deixou o capitão e sua admiração pelo verde e retornou ao abrigo onde começou a montar seu equipamento de comunicação. A luz do dia, especialmente naquele planeta, incomodava seus olhos e sua pele. Ela já era da terceira ou quarta geração de offlanders, como eram chamados os gerados nas naves, depois que a Terra havia sido evacuada. Não lhe agradava o desconforto exterior.

"Nadja, estes insetos... Tu verificaste os registros da missão novamente? Eles não foram mesmo gerados para ocuparem o planeta durante o processo de semeadura?"

"Nada consta, G'reog. Mas também não me admira que alguns detalhes dessa missão possam não ter sido documentados. Ainda parece-me estranho, com tanta preocupação com a redundância do aparato tecnológico, que tenham deixado em cada planeta apenas um cientista."

"Eles são, definitivamente, de origem terrestre. Ainda que, naturalmente, tenham se adaptado... Em apenas algumas horas identifiquei cerca de uma dúzia de espécies diferentes. Já solicitei à nave um kit para a dissecação e testes genéticos. Já encontrei também ovos e larvas, olhe!"

Nadja olhou, sem esconder uma expressão de nojo, um ninho que o exobiologista lhe mostrava, com uma centena de ovos e minúsculas fibras brancas que se retorciam e moviam-se de um lado a outro quando o capitão entrou no abrigo, visivelmente preocupado.

"A nave está nos mandando mais ração, kits de aquecimento e material para descontaminação..."

A idéia de passar mais tempo do que havia previsto naquela imundície contrariou Nadja.

"A nave desconfia de nossa contaminação? Respeitamos todos os procedimentos..."

"Eu sei! . disse o capitão, interrompendo-a . Detectaram microorganismos em Anna quando ela voltava à nave. A decisão é que não devemos arriscar a segurança dos demais..."

"Dos demais? Isso é ridículo! Estamos em seis aqui e há apenas mais dois na nave..."

"Sim, mas a nave tem o receio de que possamos contaminar o material de geração de novos offlanders..."

Ao contrário de Nadja, G'reog estava excitado com a idéia de passar mais tempo naquele planeta. O vento, o calor, os insetos... Tudo o que havia estudado agora podia ser, realmente, aproveitado. O capitão, de uma geração anterior a deles, sentia um misto de cansaço e resignação. Já havia conversado algumas vezes com a nave sobre sua reciclagem. Em poucos anos precisariam de novos offlanders e nenhum material biológico poderia ser perdido. Ao pensar que podia carregar, dentro dele, algum microorganismo que impedisse sua volta à nave sentiu-se triste e vazio. Nisso entrou Anna.

"Que tal abrir seus paladares a novas experiências?"

Atraiu a atenção de todos com uma sacola carregada de frutos e sua cor irregularmente avermelhada de tanta exposição ao sol. Tinha os braços arranhados pelos galhos das árvores e arbustos. As calças, arregaçadas até as coxas, mostravam suas canelas sujas de terra.

"Sua irresponsável! -- gritou Nadja . Pudera estar contaminada! Olha teu estado!"

"Nada disso, querida! Decidi sair a cata de frutos e divertir-me um pouco depois que a nave detectou minha contaminação. Já que terei que passar por uma varredura de DNA, decidi, antes, divertir-me um pouco."

"Eu que não toco em nada disso. Segui os procedimentos à risca! Não posso estar contaminada!"

"Estamos todos, Nadja . disse o capitão. Acabo de receber o comunicado da nave. A decisão é que não devemos passar pela varredura de DNA até que desenvolvamos algum sintoma, sintamos alguma coisa fora do normal. A nave acredita que os microorganismos que carregamos podem não ser nocivos..."

G'reog e Anna deliciavam-se com os novos gostos. Nadja repugnava-se com a idéia de ter seu corpo habitado por algo que não tivesse seu próprio DNA. O capitão aguardava a chegada dos kits de aquecimento e material para a análise dos insetos de G'reog. Da nave, João o contatou.

"Capitão, o satélite que capturamos... Ainda tem uma carga de sementes. A nave preferiu não trazê-lo à bordo até que tenhamos as análises de G'reog e um laudo da contaminação..."

"De acordo..."

"Colocamos junto com o material para G'reog um conjunto para a retirada de sangue e exame de cultura de microorganismos. Deve estar chegando em segundos aí no solo..."

Ao ouvir o barulho da pequena esfera chocando-se com o solo, G'reog deixou o abrigo e uniu-se ao capitão. Abriu-a e sem olhar, sequer, ao resto do conteúdo, pegou seu kit de análise, dirigindo-se ao local onde havia guardado seus insetos. Dentro dos recipientes, apenas as cascas vazias de todos eles, com exceção de um, e o ninho com os ovos e larvas. Inicialmente, pensou que havia sido uma brincadeira de mau gosto de Anna, mas já sabia que animais com exoesqueleto abandonam a casca antiga para crescer dentro de uma nova. Apenas achou estranho que todas as suas presas, com exceção de uma, resolveram crescer ao mesmo tempo. Pegou o besouro que restou em seu recipiente. Começaria a dissecação por ele e, quando o sol voltasse, trataria de conseguir mais insetos.

Dentro do abrigo o capitão já iniciava a coleta de sangue e as culturas. Assim que G'reog retornou, disse a ele:

"Comece a ligar o material de aquecimento. Quando o sol se esconde a temperatura aqui cai bastante. Segundo a nave, teremos cerca de dez horas de escuridão até que tenhamos um novo dia. O melhor é que descansemos."

Contrariado, G'reog tratou de ligar o material que, quase imediatamente, deixou o ambiente com uma agradável temperatura de 31 graus celsius, como no interior da nave. Anna foi a primeira a tirar a roupa e limpar-se demoradamente, o que os outros fizeram logo a seguir. O capitão tomou sua pílula noturna e rapidamente dormia. Todos fizeram o mesmo, menos Anna. Estava por demais excitada e não conseguia julgar se o ser que havia visto enquanto colhia frutas era o resultado da insolação, algum sintoma da contaminação ou, simplesmente, sua imaginação.

Do lado de fora do abrigo, o homem de cabelos longos comia alguns dos insetos, ainda com a casca mole e esbranquiçada, e aguardava que o silêncio das vozes lhe permitisse explorar melhor seus visitantes. A nave, que havia até detectado microorganismos, por alguma razão preferiu não revelar sua presença aos demais.

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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