Ainda o Marketing Viral
Colaboração: Rubens Queiroz de Almeida
Data de Publicação: 23 de Novembro de 2001
Eu recebi um email do Antonio Celso Leite de Campos, indicando que
este caso poderia servir para ilustrar a minha mensagem anterior sobre
o marketing viral.
O caso relatado aqui a maioria de vocês provavelmente já conhece. Saiu até no
Fantástico. A pessoa que gerou todo este alvoroço chama-se Wellington
M. Dall'Igna. Vejam o anúncio que o Wellington M. Dall'Igna publicou em
um jornal um tempo atrás:
Não sei falar inglês e nem espanhol.
Não tenho curso superior.
Não sei puxar o saco de gerente e nem de diretor.
Não gosto de usar paletó e gravata.
Nunca dei bola para comprador.
Sei ligar e desligar um micro.
Tenho 44 anos, fumo, gosto de jogar e assistir a jogos de futebol, só leio
jornal, sou separado (dois filhos; as coisas mais lindas do mundo!), possuo
apartamento, carro, telefone fixo e celular próprios.
Durante os últimos sete anos, trabalhei em uma empresa multinacional
vendendo (sólidos conhecimentos) farinha de trigo, gordura hidrogenada,
lecitinas, proteínas isoladas, proteínas texturizadas, gritz e derivados de
milho, atendendo as maiores indústrias de massas e biscoitos do Paraná,
Santa Catarina e Sul de São Paulo.
Cheguei a vender mais de US$ 1 milhão (isso mesmo, dólares!) por mês.
Se a sua empresa tem produtos de qualidade, uma boa logística, condições de
me oferecer um salário superior a R$ 2.000,00, prêmios e despesas, queira,
por favor, marcar uma entrevista pelo telefone (xx) xxx-xxxx.
Obs: As empresas que não atenderem os requisitos básicos, não percam o seu e
o meu tempo.
Grato"
Este anúncio me foi enviado por email, e possivelmente para milhares
de outras pessoas, através de uma imagem scaneada do jornal. A repercussão
foi imensa. Vejam abaixo a carta que o Wellington enviou para a empresa
Catho, que também divulgou o ocorrido:
Com relação ao anúncio intitulado Não sei (a publicação original, feita na
edição 104 do jornal Carreira & Sucesso - coluna Fórum, está reproduzida
no final desta mensagem), veiculado no dia 03/10/01, no Jornal Gazeta
do Povo em Curitiba- PR (que, posteriormente, circulou pela Internet em
e-mails corporativos), e que algumas pessoas pensaram ser uma piada ou uma
brincadeira da rede, gostaria de esclarecer que o anúncio é a mais pura
expressão da verdade. Houve uma polêmica muito grande a respeito dele
e alguns pontos ficaram meio obscuros e foram interpretados de maneira
errônea por algumas pessoas em função do custo e espaço dos classificados
de qualquer jornal. O custo do meu anúncio foi de R$ 215,60 (duzentos
e quinze reais e sessenta centavos), conforme comprovante de inserção
classificados número 88050 de 02/10/2001, emitido pelo Jornal/Editora
Gazeta do Povo). Aproveito para lhes passar um feedback do meu case
(gostaram? Já aprendi duas palavras em inglês...).
Até hoje, 12/11/01, recebi mais de 1.400 telefonemas e centenas de e-mails
de todas as partes do Brasil ressaltando a minha ousadia, irreverência,
criatividade e por aí afora. Destes, mais de 30 propostas de emprego
(algumas interessantes, outras nem tanto). Já concedi várias entrevistas a
emissoras de rádio e de televisão, jornais e revistas.
No entanto, fiquei surpreso com as mais diversas opiniões tecidas a meu
respeito no jornal virtual Carreira & Sucesso, coluna Fórum, do site
www.catho.com.br (que não conhecia), e que me foi uma grata surpresa -
afinal só sei ligar e desligar o computador.
Para que você me conheça um pouco melhor e talvez reveja alguns de seus
conceitos, vou contar-lhes um pouco da minha infância e da minha juventude.
Aos 13 anos de idade, perdi a minha mãe, que era o esteio da família.
Ficamos eu, meu pai e meu irmão (três anos mais velho do que eu) totalmente
perdidos, sem chão, sem colo e, literalmente, sem rumo. Passados dois anos,
meu pai casou-se novamente e eu e meu irmão não nos adaptamos à nossa nova
mãe. Num certo dia, meu pai nos disse enfaticamente que cuidássemos de
nossas vidas porque ele iria cuidar da vida dele. Eu e meu irmão fomos morar
num quartinho alugado, nos fundos de uma casa. Chuveiro? Só de água fria.
O meu primeiro emprego registrado em carteira foi em uma representação de
produtos farmacêuticos; eu era um faz tudo: auxiliava no estoque, comprava
lanche para os vendedores etc. Até que a funcionária que fazia o faturamento
adoeceu e me escalaram para tal função. Sabe quantas vias existiam na
fatura? 12! Isto mesmo!. A máquina de escrever não era elétrica, não havia
computador e calculadora, só a manual, aquela de manivela...
O meu expediente terminava todos os dias por volta das 20h30, e aí
eu voltava correndo para o quartinho para lavar a minha calça na
pia do banheiro (só tinha uma, de camurça rosa e boca de sino, que
horror!) pois, no dia seguinte, teria que usá-la novamente (se não secasse
com o tempo, teria que secá-la com o ferro de passar). Eu só tinha 16
anos de idade. Vocês podem imaginar o resto? Quantas privações passei,
quantas provocações tive que agüentar e de quantas tentações tive que
abdicar? Quando se tem 16 anos e se está praticamente sozinho no mundo,
não se pode errar (não se tem este direito), porque ninguém vai passar a
mão na sua cabeça e lhe dar uma nova chance. Você não pode chegar para
a sua mãe ou para o seu pai e dizer que errou e não sabe o que fazer
naquele momento. Por estes e outros motivos (no curto espaço de vida que
convivi com a minha mãe), tive o privilégio de aprender a não julgar as
pessoas por suas posses, vestimentas, diplomas ou por suas opiniões.
Quando redigi o tão comentado anúncio, em momento algum, não quis
fazer algum tipo de apologia nem ao fumo, nem ao fato de não ter uma
formação acadêmica ou coisas do gênero. Os meus dois filhos estudam e não
fumam. A minha ex-esposa é graduada em Direito. Na minha falta de polidez
quis, unicamente, tentar expressar o meu modo de pensar e de agir. As
qualificações e os defeitos que tenho (quem sabe até a falta de preparo
para algum cargo) não me deixam passar de um simples vendedorzinho...
Porém, nos comentários feitos por algumas pessoas, ficou claro que
duas coisas são totalmente distintas: formação acadêmica e cultura.
Eu não tenho formação acadêmica, mas tenho, e muita, cultura, ao passo
que muitas pessoas que têm formação não têm a mínima cultura. Não sei
falar outra língua além do português, mas sei o suficiente para quem
sabe até ensinar certos jornalistas que, por estarem supostamente fora
do nosso país, tenham esquecido a língua pátria.
Com a minha atitude honesta, clara e objetiva, assustei alguns
dos meus futuros empregadores. Eles podem até achar que foi um
exagero de franqueza, mas quem me conhece sabe que o anúncio é a minha
feição. Involuntariamente, devo ter ofendido algumas pessoas com uma visão
de vida diferente da minha. Alguns poderosos gerentes da área de Recursos
Humanos com suas Iso 9.000 e tantos procedimentos e normas importados da
Europa ou dos Estados Unidos, que não contemplam a realidade brasileira,
vão, com certeza, depois de lerem este artigo vão me detonar.
Porque digo isto?
Vejam o meu caso:
trabalhei durante quase oito anos na maior empresa multinacional de
alimentos do Brasil exercendo a função de vendedor técnico industrial
juntamente com mais sete vendedores (todos, exceto eu, engenheiros
de alimentos, engenheiros químicos etc). Supri as minhas deficiências
técnicas com cursos e com o meu empenho pessoal e a minha vontade de
aprender. Nunca deixei sem solução qualquer problema técnico que tenha
surgido no período. Quando fui demitido, não foi por deficiência
acadêmica ou falta de qualificações, não houve um substituto no meu
lugar; simplesmente, repassaram os meus clientes para cinco ou seis
vendedores de outra divisão da empresa. O que houve na empresa foi uma
reestruturação, o que é muito comum em empresas multinacionais. Quanto
aos outros vendedores técnicos da empresa, cinco deles também foram
demitidos (e observe que todos eram engenheiros!). Atualmente, só restam
dois vendedores técnicos na empresa: os mais novos de casa e que recebem
salários menores do que os nossos. Um outro aspecto que acho relevante
e que gostaria de deixar bem claro para alguns tecnocratas é que sempre
tivemos o maior preço do mercado nesta empresa, pois éramos líderes de
mercado na época. Será que se eu falasse outra língua ou tivesse algum
curso superior, eu conseguiria vender mais e com um preço mais alto ainda?
Diante do exposto, alguns conceitos formados por pseudointelectuais vão
por água abaixo... Para encerrar, pois isto já está ficando chato,
gostaria de comentar sobre os meus problemas pessoais, aliás, o meu
problema pessoal, pois no momento só tenho um: escolher uma entre mais
de 30 propostas de emprego que recebi com a publicação do meu anúncio.
Wellington M. Dall'Igna
Autor do polêmico anúncio
Certamente, com esta mensagem, o Wellington estará recebendo mais
um pouco de publicidade :-)