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Por Rafael Evangelista

Data de Publicação: 17 de Março de 2005

Desprezando as pressões para democratizar o uso e desenvolvimento de software, Conselho da União Europeia remete ao Parlamento um projeto que consagra as patentes em todo o continente e beneficia monopólio

Na última quinta, ele apareceu pelo décimo primeiro ano consecutivo no topo da lista dos homens mais ricos do mundo, publicada pela revista Forbes. Sua fortuna pessoal, avaliada em US$ 46,5 bilhões, corresponde a quase o dobro da do terceiro colocado (o indiano Lakshmi Mittal, dono de US$ 25 bilhões). Mesmo assim a União Européia resolveu dar uma ajudinha para William Gates III se tornar ainda mais rico, dificultando a vida das pequenas e médias empresas que disputam mercado com a Microsoft.

No último dia 7, o Conselho da União Européia (UE) enviou ao Parlamento a diretiva de patentes conhecida como a "versão de 18 de maio de 2004", que harmoniza e amplia o uso de patentes de software na Europa. Desde 2002, o Conselho da UE vem gestando uma harmonização das leis para os diversos países da União Européia - atualmente, tribunais de diferentes países têm regras distintas e o texto de 18 de maio é a versão mais dura e mais favorável às grandes empresas. A diretiva deve ser votada pelo Parlamento Europeu num prazo de três meses e, para ser rejeitada ou sofrer emendas, precisa do voto de 367 parlamentares (a metade mais um do número total de deputados: 732).

A reunião do Conselho da UE que aprovou o texto foi bastante conturbada. O próprio presidente do Conselho, Jean Asselborn, ministro de relações exteriores de Luxemburgo, admitiu que vários países eram contra a proposta mas que ela só foi adotada "por razões institucionais, para que não fosse criado um precedente para outros processos". Portugal, Polônia e Dinamarca estão entre os países (outros não foram revelados) que foram contra a aprovação, pedindo que o texto fosse discutido com mais profundidade.

O Conselho da UE é formado por comissários representantes dos países membros. Em cada reunião, temática, estão presentes apenas um representante para cada país. Cabe ao Conselho da UE propor as leis que serão aprovadas pelo Parlamento.

O modo como a reunião foi conduzida e a insistência da presidencia do Conselho em aprovar a diretiva de patentes está sendo interpretada por ativistas de todo mundo como um episódio que compromete a legitimidade da União Européia. O Parlamento Europeu pediu, no último mês, a reabertura da discussão sobre patentes de software. O Conselho da UE negou o pedido e fez justamente o contrário, aprovou o texto antigo.

"Não consigo ver como é que os proponentes da Constituição Européia ainda a podem apoiá-la com honestidade. Este evento demonstra que algo está claramente podre na cidade de Bruxelas no edifício do Conselho. Teria sido muito mais fácil se essas regras simplesmente fossem descartadas e substituídas por 'A Presidência do Conselho e a Comissão podem fazer o que quer que desejem'", declarou o diretor da Fundação por uma Infra-estrutura de Informação Livre (FFII, pela sigla em inglês), Jonas Maebe. Entidades de todo o mundo, muitas delas ligadas ao software livre, iniciaram uma campanha em que comparam a União Européia a uma "república das bananas".

Os marionetes da Microsoft

O polêmico texto de 18 de maio de 2004 foi redigido quando a Irlanda, país visto como tendo conexões muito próximas com a Microsoft, ocupava a presidência do Conselho da União Européia. O cargo era ocupado pelo atual ministro das Finanças, Brian Cowen. Charlie McCreevy, que atualmente preside a Comissão do Conselho da União Européia para o Mercado Interno, foi ministro das Finanças do país até 2004 e é acusado de ser um "vassalo de Bill Gates". "O poder do presidente de uma Comissão do Conselho sobre o processo legislativo é imenso", afirma Florian Mueller, membro da campanha pan-européia contra as patentes de software.

A Irlanda, que há vinte anos atrás era um dos países mais pobres da Europa, tem sido usada como uma espécie de paraíso fiscal da Microsoft, porta de entrada para o mercado europeu. O país cobra apenas 10% de imposto sobre os produtos da empresa, que podem ser vendidos em todo o continente sem nenhuma taxa adicional graças ao acordo comercial europeu. Ganham a Microsoft e a Irlanda (que hoje tem a maior renda per capita do continente) mas perdem todos os outros Estados europeus. Os Estados Unidos, por sua vez, subsidiam a Microsoft e ajudam a Irlanda, país com quem tem laços históricos, ao cobrar impostos muito baixos.

Ameaça aos pequenos

Atualmente, as patentes de software já estão em vigor nos Estados Unidos mas, se forem adotadas também pela Europa, deverão ser empurradas ao resto do mundo por meio de acordos comerciais como os da Organização Mundial de Comércio (OMC). O sistema estadunidense, similar ao que está sendo cogitado para a União Européia, permite o patenteamento de idéias óbvias e, às vezes, risíveis. "Vender coisas fazendo uso de rede por meio de um processador de pagamentos ou usando um micro servidor e um cliente"; "vender coisas por meio de redes de telefones celulares"; "distribuir vídeo pela internet"; "o formato de arquivo '.jpg'"; "distribuir filmes pela internet", são exemplos de patentes já concedidas pelo Escritório da Patentes Europeu e que poderão agora ser aplicadas.

Com elas, ficam ameaçadas as pequenas e médias empresas e comprometida a competitividade do mercado de software. Pequenas e médias empresas não têm condições de enfrentar as custas judiciais de uma acusação de violação de patente que, em geral, supera os US$ 2 milhões. As grandes corporações, para se protegerem de processos movidos por suas rivais, têm obtido patentes indiscriminadamente - o que custa caro - nem que seja somente para obterem poder de barganha em uma disputa legal.

Sobre o autor

Rafael Evangelista é cientista social e linguista. Sua dissertação de mestrado tem o título Política e linguagem nos debates sobre o software livre. É editor-chefe da revista ComCiência e faz parte de algumas iniciativas em defesa do software livre como Rede Livre, Hipatia e CoberturaWiki.


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