Como fica sua privacidade com o novo atrevimento do Google
Por José Antonio Milagre
Data de Publicação: 03 de Fevereiro de 2012
O que realmente pode acontecer a partir de 1 de março de 2012 com a vigência da "camisa de
força digital"?
Todos estão recebendo e-mails, popups e alertas do Google sobre sua nova "Política de
Privacidade". A partir de 1 março, usuários que continuam usando os serviços tacitamente
declaram concordância com as novas regras impostas pelo provedor de serviços. Longe das
declarações superficiais, apaziguadoras e que nunca dizem toda a verdade, por parte dos
representantes do Google, é hora do cidadão saber realmente como ficará sua privacidade.
Se você acha que esta informação é dispensável, talvez não tenha percebido o valor deste
direito, o direito de proteção dos dados pessoais, o direito de estar só, de não ser rastreado
ou ter padrões, comportamentos privados e hábitos logados a cada passo que se dá no mundo
virtual.
Primeiramente, na verdade, nada é para melhorar a "comodidade dos internautas". Você
realmente acredita nisso? O fato é que hoje, além da política de privacidade geral, alguns
serviços do provedor tinham regras próprias, adicionais. Com a nova política, estas regras
(aproximadamente 60) ficam agrupadas em uma única regra. E o que tem de mal?
Em se unificando as políticas o Google também se cria o permissivo para o mesmo utilizar o
que já estruturou antes de consultar o cidadão: Um grande centro de mineração de dados,
um poderoso cérebro de cruzamento, que agora, agrupará informações de todos os serviços,
antes separados, isolados.
Quais os efeitos? Um cidadão que tenha uma conta de e-mail Gmail quebrada por
determinação da Justiça, como os dados agora são coletados como um todo, poderá ver sua
privacidade em outros serviços, Blogger, Orkut, Docs, etc., quebrada. Não há garantias que
diante desta nova política, não fique mais fácil a autoridades e interessados obterem dados
além dos necessários para uma investigação ou repressão de um ato ilícito.
Imagine que você faz uma pesquisa relacionada a sexualidade no buscador e neste momento
YouTube e Gmail são influenciados por esta busca, no Orkut ou Google+ perfis de vendas de
produtos eróticos lhe enviam mensagens. Como se livrar deste rastro?
Você está no caminho de uma reunião. O tráfego parece estar diminuindo. Um texto surge:
"Você vai se atrasar, pegue a próxima saída para a rota alternativa". Você realmente deseja
esta facilidade proposta pelo Google? Pois bem, para isso acontecer, considere que o Google
bisbilhotou sua localização de seu celular Android e além disso fuçou no seu Calendar, para
saber para onde você ia e quais seus compromissos!
Segundo a revista Scientific America,
teríamos também um problema grave de integração de dados entre contas
diferentes. Imagine que você tem uma conta pessoal (usada para diversão)
e outra profissional? Você gostaria de ter a integração entre ambas,
relacionamentos, contatos, termos pesquisados? Pense bem...
A revista vai além, e explica que mais um problema futuro seria o descobrimento dos
usernames, pois Google+ solicita nomes reais e outros serviços como YouTube não. A partir de
01 de março, em tese, seu nome real poderia aparecer em todos os seus produtos Google. Legal?
Ao passo em que aprimora sua gestão de informações, passa a ter um dossiê global e
integrado de cada usuário de Internet, com cabeçalhos HTTP, IPs, localização geográfica,
termos procurados, sua agenda do Calendar, conversas do Gtalk, documentos do Docs, etc.
etc. Imagine tudo isto integrado, nas mãos das pessoas erradas?
Cada serviço do Google tem sua característica o que demanda proteções adicionais de
privacidade. Não se pode, em prejuízo do principio da especificidade (ou especialidade),
conceder a serviços distintos regras idênticas. Cada dado deve ser coletado para finalidade
específica. Agora, crio um simples e-mail e dou o direito ao Google de usar estes dados em
todos os seus outros serviços? Sim! Não existe finalidade!E aliás, esta unificação parte do
baseline mais protetivo a privacidade ou mais aberto? Com certeza do mais aberto. Pegue o
serviço do Google que mais lhe dá direitos em relação a dados de usuários, unifique a todos os
demais e pronto, estamos oferecendo "comodidade, facilidade aos internautas".
Não se trata de comodidade, mas de estratégia para anúncios focados, para lucrar com seus
dados. Igualmente, é obscura a declaração da Privacy Officer do Google de que "os governos
requisitaram regras menores e mais simples em relação a privacidade". Fica clara a intenção,
favorecer quebras de sigilo, investigações e anúncios publicitários.
E para o usuário o que resta? Não fazer login? Ignorar sua privacidade rumo a "novas
experiências". Não! Cabe ao Google nos dar o direito de escolhermos e desativarmos a
combinação, conexão e intercâmbio de informações. Lembrando que pelo anteprojeto de Lei
de proteção de dados pessoais, toda a combinação de informações deve ser previamente e
expressamente autorizada pelo usuário, que aliás poderá revoga-la a qualquer momento. Não
devemos buscar somente o direito de desligar anúncios, mas de desligar esta correlação de
informações. Não devemos buscar o direito de limpar o histórico, mas efetivamente limpar os
registros dos servidores do provedor...
O cidadão que quiser, por exemplo, manter dados desvinculados entre os serviços, segundo
o Google só teria das saídas, ou não fazer loggin ou criar novas contas. Imagine-se com uma
conta para cada serviço?
É hora de buscarmos nossos direitos inerentes a privacidade digital, como os de poder
peticionar e conhecer realmente cada informação que o provedor coleta sobre nós, o
de realizar as chamadas "auditorias de privacidade" e principalmente o de "opt-out"
de mudanças suspeitas nas regras do jogo, como a presente. Nos Estados Unidos, um
bom exemplo, os republicanos Ed. Markey e Joe Barton já solicitaram a Federal Trade
Comission (FTC), a investigação das violações a privacidade estampadas pela nova política
(veja carta),
zelando, efetivamente, pelos direitos dos usuários.
Então me desculpe, mas não vejo benefício algum na política do Google, a não ser para
aqueles ávidos em conhecer o que fazemos, anunciantes, empresas, governo e ao próprio
Google que terá mais tráfego em seus serviços.
Você pode até pensar, "Ora, mas o Google já faz isso faz tempo!" Ok, mas agora passa
a legitimar seus atos, em uma política em que, ou você concorda ou está praticamente
fora da Internet. Precisamos de figuras que também defendam nossa privacidade no
Congresso.Pense, e veja se não é hora de exigir de nossos Congressistas maior atenção a estes
temas e aos nossos direitos.
Aliás, para nós, nossos direitos, para o Google, "idéias erradas". Pense bem antes de colocar
seus dados nesta teia. Ou realmente você acredita que oferecer lembretes de sua reunião é
mais importante do que seus dados e seu sagrado direito a privacidade?
Continue achando que o que é de graça não se questiona. Não há nada de graça, o preço
de tudo isso, são seus dados pessoais, o rastreamento da sua vida. Em síntese, como bem
disse Jeff Chester, um cão de guarda da privacidade, Diretor do Centro de Democracia
Digital, a partir de primeiro de março, receberemos uma "camisa de força digital", forçados a
compartilhar informações pessoais, sem defesa.
Até quando a destruição de nosso direito a privacidade será coberto pelo falso manto
da "otimização da experiência do usuário"? Não queremos novas experiências impostas, mas
liberdade para construí-las, quando bem nos convier.
Sobre o autor
José Antonio Milagre possui MBA em Gestão de Tecnologia da Informação pela Universidade Anhanguera. É Analista de Segurança e Programador PHP e C, Perito Computacional em São Paulo e Ribeirão Preto, Advogado Especializado em Direito da Tecnologia da Informação pelo IPEC-SP, graduado pela ITE-Bauru, Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Fênix-SP, com defesa de tese e área de concentração Crimes Eletrônicos, Valor Probatório e o Papel da Computer Forensics, Extensão em Processo Eletrônico pela Universidade Católica de Petrópolis-RJ, Treinamento Oficial Microsoft MCP, Certificação Mobile-Forensics UCLAN-USA/2005, Professor Universitário nos cursos de TI e Direito da Anhanguera Educacional e de Direito e Perícia Eletrônica na Legal Tech em Ribeirão Preto-SP , Professor da Pós-Graduação em Direito Eletrônico pela UNIGRAN, Dourados/MS (Perícia Computacional), Professor da Pós-Graduação em Segurança da Informação do Senac-Sorocaba, Professor da Pós-Graduação em Computação Forense da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Forense Computacional e Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Segurança da Informação da OAB/SP 21 a . Subsecção, membro do Comitê de Comércio Eletrônico da FECOMERCIO-SP, membro do GU LegislaNet e TI Verde da SUCESU-SP e palestrante convidado SUCESU-ES. Professor Convidado LegalTech, UENP-Jacarezinho, UNESP, FACOL, ITE, FGP, nas áreas de Segurança da Informação, Direito Digital e Repressão à crimes eletrônicos. Co-Autor do Livro "Internet: O Encontro de dois mundos, pela Editora Brasport, ISBN 9788574523705, 2008.
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