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Novos precedentes na responsabilização jurí­dica de provedores de conteúdo - O caso do game "Faith Fighter" e a comunidade muçulmana

Por José Antonio Milagre

Data de Publicação: 19 de Junho de 2011

A Justiça Paulista, recentemente, em novembro de 2010, condenou o provedor Universo Online, "UOL", por hospedar jogo eletrônico com personagens bí­blicos que, segundo decisão do Tribunal de Justiça, protagonizava cenas de violência que contrariavam preceitos religiosos, com fundamento no disposto no art. 5o., inciso VI da Constituição Federal, que prevê que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercí­cio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; A ação foi proposta por Mesquita União Muçulmana de Barretos.

O Site "clickjogos", do UOL, mantinha o jogo Faith Fighter, que encenava uma disputa de Deuses. O jogo fora desenvolvido por Clickfoo Atividades de Internet Ltda., a qual a UOL denunciou í  lide para fins de reembolso regresso, em primeira instância. A UOL foi condenada em primeira instância a uma indenização por danos morais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Recorreu ao Tribunal de Justiça da precitada decisão.

Mas o que mais chama atenção na decisão não é somente o reconhecimento de que o game afrontava os princí­pios do islamismo e de todos os muçulmanos, mas a responsabilização do provedor de hospedagem por conteúdos de terceiros. Tal preceito pode ser utilizado em demais ações análogas. Vejamos.

O "UOL" apresentou em juí­zo contrato de parceria com a empresa Clickfoo, pelo qual não lhe caberia pela avença qualquer responsabilidade pelos conteúdos inseridos pela empresa de games.

Segundo a decisão, no que cerne a gravidade do jogo "O game, embora não seja profano, não é inofensivo e causa repulsa a pessoas que não jogam, o que é suficiente para despertar interesse juridico".

E mais, no que diz respeito ao "contrato" apresentado pelo provedor "UOL", onde este se eximia de responsabilidade por conteúdos de parceiros, o Tribunal foi expresso ao consignar que tal modo "simplista" não se aplicava a terceiros lesados, vejamos em trecho do acórdão:

A UOL (provedora) responde por ter cedido espaço, de forma onerosa, para que a CLICKFOO postasse o ví­deo para deleite daqueles que se interessam por tais jogos e convém ressaltar que o que consta do contrato (isentando o provedor de responsabilidade pelo conteúdo) vale entre eles e não contra terceiros (ou a comunidade), quando afetados pelas mensagens ofensivas ou ilí­citas contra religiões. O provedor de hospedagem não se exime de forma simplista ou com o argumento de que não participa do que se expõe no site cedido, porque a sua atividade exige ou reclama uma participação mais ativa em termos de controle de material exposto mediante pagamento. Aplica-se, sim, o art. 927. parágrafo único, do CC e o art. 14, da Lei 8078/1990.

Ainda, a respeito de tese defensiva muito utilizada por advogados de provedores de hospedagem e conteúdo, de que a conduta denunciada é trivial, corriqueira, espalhada, outros sites também hospedam, ou que o conteúdo está em toda a Internet, a chamada tese da "multiplicidade da oferta lesiva", o que não justificaria o foco do autor da demanda em somente um dos acusados, o Tribunal é brilhante ao concluir que tal tese não tem aplicabilidade e deve ser absolutamente afastada, pois não é porque um conteúdo ilí­cito está publicado em diversos sí­tios e locais da Internet, que o titular do direito lesado não possa exercer sua reparação em face do provedor que bem entender ou identificar, vejamos:

A CLICKFOO é a empresa que inseriu o jogo no site e deverá responder por isso, ainda que outros links ofereçam a mesma diversão, pois o que interessa para o processo não é a multiplicidade da oferta lesiva, mas, sim, a especificidade do caso concreto.

No que pulsa ao poder do juiz para remoção de informações na Internet, que sejam desrespeitosas í s religiões, bem lembra o Desembargador Enio Zuliani que a Lei 8081/1990, editada para penalizar atos discriminatórios ou preconceituosos envolvendo raça, cor, religião e etnia, prevê ao juiz a possibilidade de interditar mensagens e páginas na rede mundial de computadores, nos termos do inciso III, parágrafo 3o. do Art. 20, incluí­do pela Lei 12.288/2010.

O acórdão, embora não ratificando dano moral de primeira instância, mantém a condenação em "despesas" e honorários para o Universo Online, assegurando no entanto a este o direito de regresso, para exigir o reembolso da empresa Clickfoo, responsável pelo game.

Estamos vivenciando uma quebra de paradigmas e novos precedentes a respeito da responsabilidade jurí­dica de provedores de conteúdo e hospedagem, fruto do maior contato de magistrados com reiterados casos desta natureza. Constatamos que "nem sempre" o provedor de hospedagem será isentado por negligenciar com conteúdos que armazena, a despeito dos "contratos" celebrados com usuários e parceiros conteudistas e isto só demonstra o amadurecimento do judiciário acerca do tema. Tais provedores deverão adotar participação mais ativa em termos de controle de material exposto mediante pagamento ou sofrerão perdas financeiras com condenações. As vitimas e os consumidores só tem a ganhar.

Sobre o autor

José Antonio Milagre possui MBA em Gestão de Tecnologia da Informação pela Universidade Anhanguera. É Analista de Segurança e Programador PHP e C, Perito Computacional em São Paulo e Ribeirão Preto, Advogado Especializado em Direito da Tecnologia da Informação pelo IPEC-SP, graduado pela ITE-Bauru, Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Fênix-SP, com defesa de tese e área de concentração Crimes Eletrônicos, Valor Probatório e o Papel da Computer Forensics, Extensão em Processo Eletrônico pela Universidade Católica de Petrópolis-RJ, Treinamento Oficial Microsoft MCP, Certificação Mobile-Forensics UCLAN-USA/2005, Professor Universitário nos cursos de TI e Direito da Anhanguera Educacional e de Direito e Perí­cia Eletrônica na Legal Tech em Ribeirão Preto-SP , Professor da Pós-Graduação em Direito Eletrônico pela UNIGRAN, Dourados/MS (Perí­cia Computacional), Professor da Pós-Graduação em Segurança da Informação do Senac-Sorocaba, Professor da Pós-Graduação em Computação Forense da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Forense Computacional e Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Segurança da Informação da OAB/SP 21 a . Subsecção, membro do Comitê de Comércio Eletrônico da FECOMERCIO-SP, membro do GU LegislaNet e TI Verde da SUCESU-SP e palestrante convidado SUCESU-ES. Professor Convidado LegalTech, UENP-Jacarezinho, UNESP, FACOL, ITE, FGP, nas áreas de Segurança da Informação, Direito Digital e Repressão a crimes eletrônicos. Co-Autor do Livro "Internet: O Encontro de dois mundos, pela Editora Brasport, ISBN 9788574523705, 2008.

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