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Show me the money!!!

Por Frederick Montero

Data de Publicação: 17 de Outubro de 2007

Acredito que até demorei para tocar no assunto, mas fica cada vez mais difícil evitá-lo, devido ao fascínio que vem crescendo em torno do iPhone. Na ocasião do seu lançamento, o iPhone provocou um frenesi populacional e midiático como eu acredito nenhum outro equipamento eletrônico provocou. Nem sempre abordar um assunto quando ele ainda está quente e fresco é um ato recomendável, porém o tamanho do impacto que a Apple pode vir a provocar com seus últimos lançamentos transcende as fronteiras da efervescência momentânea da época na qual foram revelados.

Recentemente, a Apple lançou um novo iPod semelhante a um iPhone sem a parte relativa ao telefone celular. Em compensação, manteve a mesma tela sensível ao toque e a mesma interface cativante do iPhone. Porém a sua funcionalidade mais importante teve um papel de destaque em um lançamento inédito: uma loja virtual de músicas através de redes WIFI. Conectado a uma rede WIFI, os novos iPods e os iPhones depois de uma atualização de software poderão se conectar com a loja iTunes, permitindo aos consumidores adquirir músicas sem se conectarem a um computador. Até aí, a tal novidade não parece tão novidade, se levarmos em conta que muitas companhias de telefonia celular mantêm lojas de músicas, vídeos e ringtones, para que seus assinantes adquiram esses produtos através de seus celulares. O mais impressionante talvez tenha sido durante a apresentação de Steve Jobs a parceria entre a Apple e a cadeia de butiques de café Starbucks. Por meio de um acordo fantástico entre ambas portadores de iPods e iPhones com conexão WIFI terão acesso gratuito a rede sem fio das cafeterias. Em troca, as músicas que estejam tocando nas lojas, através do sistema de som ambiente, podem ser adquiridas imediatamente pelos consumidores. Nas entrelinhas do acordo podemos supor que as lojas Starbucks receberão um fatia da renda obtida pela venda de músicas através de sua rede ou, quem sabe, toda a renda.

Quem já acompanha os artigos da coluna Filosofia Digital há algum tempo, pode se lembrar de um artigo intitulado Google e Apple: a União de Dois Gigantes. Nele discutia-se a possibilidade de uma aproximação muito estreita dessas duas companhias. A princípio, o artigo levantava a hipótese de que ambas trabalhavam na implementação futura de uma estrutura para a comercialização de vídeos interativos com foco nos anúncios da Google. Porém com o tempo percebi que os caminhos das duas convergiam em um único traçado não apenas por questões de princípios filosóficos: as duas tem o ser humano com o centro dos seus negócios, seja ele como consumidor (Apple), seja ele como público (Google), tanto quanto a sua preocupação em manter um negócio lucrativo. Mais além ambas se complementam, pois enquanto uma aprimora os meios físicos de acesso às informações e conteúdos (Apple), a outra fornece as ferramentas para o desenvolvimento e a distribuição eficiente dessas informações e conteúdos (Google).

Faz poucos anos, a Google trabalhou em um projeto de uma rede WIFI que abrangesse toda uma cidade, garantindo acesso gratuito para todos os cidadãos. Por diversas vezes, a Google lutou para levantar a idéia de redes WiFi gratuitas espalhadas por várias cidades. a lógica era a de que quanto mais pessoas acessassem a internet, mais público haveria para os seus serviços. Porém por maiores que fossem os seus esforços, ela pouco conseguiu disseminar a idéia amplamente de uma rede wireless gratuita. Mas a idéia em si não pode ser considerada completamente descartada. Com a aproximação crescente entre a Google e a Apple, percebe-se que muito da visão de negócios da primeira começa a influenciar a segunda.

O acesso direto ao conteúdo do YouTube através do AppleTV e do iPhone, além do lançamento do navegador de internet Safari para Windows foram alguns pequenos indícios dessa aproximação. No caso do YouTube, o serviço começou a oferecer os vídeos através de streaming não apenas para os produtos da companhia da maçã, mas também para qualquer celular com programa multimídia, por meio do servidor Darwin Streaming Server, a versão OpenSource do servidor de streaming de vídeos para Quicktime. Com relação ao navegador Safari para Windows, a Apple abriu uma porta para uma plataforma de desenvolvimento de programas especial para o iPhone baseada em estrutura AJAX, seguindo uma filosofia muito parecida com a dos serviços de planilhas de cálculo ou processador de textos oferecidos pela Google. E assim gradativamente, a quantidade de serviços e produtos de ambas as empresas que passam a se integrar aumenta de forma considerável, do iWeb e Google Adsense ao iMovie e YouTube. Portanto, não é estranho supor que a Google tenha inspirado a Apple em criar uma rede wireless gratuita com mais de 5.400 pontos de acesso pelos Estados Unidos através de um acordo com a Starbuck. Mais além se às antenas nas cafeterias da rede somarmos os pontos de acesso gartuito nas 200 lojas da própria fabricante de computadores. Muito provavelmente, em caso de sucesso no acordo, outras redes de franquias procurarão aproveitar o modelo de negócios para incrementar o seu faturamento em cima da venda de músicas e, futuramente, a de programas de televisão e filmes.

O acesso gratuito e público à internet garantido pela comercialização de produtos através do ponto de acesso representa uma idéia revolucionária, mas a questão é até onde pode chegar este modelo de negócios ou essa forma de distribuição de conteúdos? Acredito que dentro deste campo, existem duas boas possibilidades no futuro.

A primeira é a oferta de conteúdos através destas redes de acordo com os interesses do fornecedor do acesso. Não necessariamente essa oferta precisa ter interesses comerciais, mas podem servir para a divulgação de serviços e conteúdos gratuitos ou de importância pública. A Unicamp, por exemplo, é uma universidade que garante acesso à internet por meio de uma rede sem fio dentro de seu campus. Através do acesso que ela fornece, a Unicamp poderia apresentar vídeos de aulas e palestras, gravados ou ao vivo, para os laptops e outros equipamentos com WiFI de seus alunos e visitantes tão logo eles entrassem no alcance de uma de suas redes sem fio. A tecnologia por trás dessa façanha é conhecida como ZeroConf (configuração zero), uma forma de implementação de serviços em redes que remonta à época do AppleTalk, mas que hoje em dia se traduz em protocolos como Bonjour e Avahi. A forma mais popular de utilização dos protocolos de ZeroConf é o anúncio de lista de reprodução de músicas através do iTunes. Quando dois computadores na mesma rede deixam aberto uma cópia cada um do programa iTunes, ambos conseguem compartilhar a sua lista de músicas um para o outro. A idéia é que os serviços sejam divulgados através de uma rede por meio de multicast de forma que os programas específicos possam acessar aquele serviço disponibilizado sem a necessidade de passar pelo processo de configurar as máquinas com números de IP e portas. Mas não é apenas de música que os protocolos Bonjour e Avahi são servidos. Muitas outras formas de serviço podem ser anunciadas através desses protocolos, como FTP, páginas de web, streaming de vídeo, chat e vários outros. Sem dúvida nenhuma, a Apple, como criadora do protocolo Bonjour, é quem conseguiu utilizar dessa ferramenta de modo mais amplo. Mas dentro da comunidade OpenSource, temos vários exemplos excelentes de soluções que funcionam com base no protocolo Avahi, perfeitamente compatível com o Bonjour. Entre algumas das melhores, cito o servidor de mídia Firefly, que funciona como uma central de armazenamento e transmissão de música para aparelhos de som compatíveis da fabricante Roku ou para programas como Banshee, Songbird e, obviamente, iTunes. Em resumo, uma universidade, repartição pública, shopping, loja, aeroporto, terminal rodoviário, estação de metrô ou escola poderiam oferecer serviços diversos, como páginas com informações específicas ou transmissão de vídeos, por meio de sua rede WIFI de modo automático para o seu público.

A outra grande possibilide é a abertura do acesso à internet em muitas redes particulares em troca da comercialização de produtos através deste acesso. Por exemplo, seguindo o caso da rede de cafeterias Starbucks, a Apple poderia lançar uma campanha na qual parte do valor sobre a venda de músicas através de um ponto de acesso WIFI seria destinada ao dono daquele acesso. Ou a Google poderia abrir uma forma de remuneração para donos de redes WIFI que dispusessem anúncios a quem acessasse a internet através das suas redes. A idéia não é manter uma rede completamente aberta e escancarada para qualquer um que passe pela rua, mas apenas restringir o acesso público ao uso da internet e a serviços comerciais. Com a proliferação deste incentivo comercial, pequenas lojas e empresas ou nada mais do que simples escritórios residenciais e redes caseiras abrindo juntas os seus hotspots formariam uma grande cobertura de entrada para a internet nos grandes centros urbanos, podendo competir com a rede de telefonia celular não apenas pelo tráfego na rede mundial de computadores, mas também com serviços de VOIP. Ao invés de uma única antena distribuindo o sinal da internet por quilômetros e quilômetros de distância, milhares de pequenas antenas espalhadas em diversos pontos da cidade cumpririam o papel de difundir descentralizadamente o acesso. Se uma rede se encontra congestionada, basta selecionar uma outra no seu perímetro. Provavelmente, as pessoas criariam estratégias para deixar a sua rede mais chamativa, como escolher nomes começados pela letra A ou por números. Essa estratégia se assemelharia em muito ao modo como opera a Google, trocando serviços por audiência para os seus anúncios ou pela venda de outros produtos.

O certo é que estamos no começo de uma nova rodada de inovações, que podem vingar e se tornarem um sucesso ou podem naufragar mesmo quando prometia ter tudo para dar certo. A seu favor, conta o peso e a experiência de uma empresa de equipamentos tecnológicos com sex-appeal suficiente para seduzir os consumidores e por outro lado com a inteligência e visão aguçada sobre o futuro das comunicações de uma companhia que gradativamente vai se tornando tão essencial no nosso dia-a-dia quanto o ar que respiramos. Basta agora nos perguntarmos se vale a pena esperarmos que essas duas companhias ditem as regras do jogo. Será que não haveria como percebermos o caminho que estamos começando a trilhar e tentarmos nos adiantar no processo que se desenrola? Ainda que, no Brasil, a internet esteja restrita a um pequeno número de pessoas e equipamentos como o iPhone sejam um sonho distante, não haveria um modo de algumas empresas perceberem o potencial comercial de aproveitar a proliferação dessas redes wireless para montar estratégias de negócios que aliem a lucratividade com a promoção do acesso gratuito a internet?

Mais além, será que as universidades e instituições educacionais não vão perceber o momento atual no país, em que cresce a venda de notebooks e telefones celulares com conexão WIFI para se abrirem às possibilidades que as novas tendências tecnológicas oferecem? O Brasil foi um dos países pioneiros no voto eletrônico e nos serviços de internetbank, então porque parar o desenvolvimento por aí? Não é apenas uma questão de público para essas novidades, mas de pesquisa e desenvolvimento de técnicas que certamente serão amplamente utilizadas daqui há 4 ou 5 anos, no máximo, e no treinamento de profissionais que se qualificariam em uma área que promete avançar a passos largos. Trata-se sim de dinheiro, mas de dinheiro que pode ficar no país, se soubermos perceber esses movimentos, ou pode deixá-lo, se deixarmos escapar a oportunidade.

Sobre o autor

Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.


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