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Água, a gota que sustenta a memória

Por Ivan Postigo

Data de Publicação: 24 de Janeiro de 2011

Cresci com uma visão colorida do campo. Nascido no interior, rico em rios e matas, orientado por um pai que tinha olho clínico para as plantas.

Vivíamos, com irmão e amigos, caminhando pelos campos, apanhando carrapichos nas calças, que nos davam enorme trabalho para retirar com canivetes, sentido o perfume e o delicado sabor do milho-de-grilo, do mel das flores-de-são-joão, cortando vassourinha para limpeza do quintal, taboa, que minha avó usava para tecer acentos das cadeiras, assoprando suas espigas cor de café e as flores das barbas-de-bode, que para longe levavam as sementes.

E, atrás das borboletas, sempre às carreiras, levando broncas: - Deixa o bicho quieto, tem que por a mão, não pode só olhar?

Descalços, não demorava para conseguirmos um espinho nos pés, que retirávamos com maestria, com ajuda de outro, na dura e grossa sola. O espinho que nos feria tinha um irmão que nos socorria.

Meu velho pai, naquela época ainda muito jovem, detestava bicho preso e quadros de borboletas, mas não conseguia nos prender no solto campo.

De vez em quando, o infortúnio do encontro com um pé de urtiga era suficiente para acabar com a farra, e lá íamos atrás de uma mina d'água para refrescar o local, tentando amenizar a coceira da queimadura provocada pelo ácido que esta contém nas folhas.

O sol aquecendo as pedras atraia os lagartos, que adorávamos correr atrás, principalmente o papo-de-vento, que estufava o papo em resposta.

— Cuidado menino, pode ter cobra nas pedras- ralhava o preocupado monitor- sempre nos mostrando plantas, falando de suas aplicações e dos pequenos frutos que podiam ser comidos.

Um encontro com o réptil: - Volta, não chegue perto, é uma coral! Dizia nosso líder preocupado.

É falsa ou verdadeira? queríamos saber. Diziam que a coral verdadeira tinha a cabeça triangular e a falsa no formato do polegar.

Vendo que a cobra rapidamente se afastara, sob risos ouvimos sua resposta: - Ela foi muito rápida, não deu tempo de perguntar!

Até hoje não sei, era falsa ou verdadeira?

O campo tem suas épocas. As paineiras floridas derrubavam suas flores rosa e meladas, que recolhíamos para a feitura dos xaropes contra tosse - nunca achei que funcionassem.

Ah, seus frutos! Bolotas verdes que com o tempo arrebentavam, expondo um macio "algodão"- fibras finas e brancas - recolhidas com prazer por quem as encontrava no chão.

Antes que os ventos os carregassem, repletos de negras sementes, as derrubávamos com nossos estilingues - conhecidos em outros lugares como funda, setra - devorávamos suas sementes e enchíamos nossos travesseiros. No campo nada se perde.

O homem que lá vive sabe muito sobre sustentabilidade e reciclagem, apenas não sabe que sabe.

Os eucaliptos, generosos, ofereciam graciosamente seu perfume, seus piões para alegria da criançada, abrigo para as aves, sombra para os campos, madeira para as cercas e casas.

Hora de voltar, no caminho uma parada para tomar um pouco das frescas águas que em minas brotavam e pelas pedras escorriam.

— Pega aquela folha, lave bem, fica mais fácil beber assim - nos instruía o mestre.

— Não, vai na mão mesmo! eram as respostas.

Encharcados ficávamos, mas antes de chegar em casa as roupas estariam secas.

Com água na boca, de lembrar daquele tempo, restam gotas que sustentam a memória!

Sobre o autor

Ivan PostigoIvan Postigo é economista, contador, pós-graduado em controladoria pela USP. Vivência em empresas nacionais, multinacionais americanas e européia de lingotamento de aço, equipamentos siderúrgicos, retroescavadeiras e tratores agrícolas, lentes e armações de óculos, equipamentos de medição de calor, pilhas alcalinas, vestuários, material esportivo, refrigerantes, ferramentas diamantadas , cerâmicas, bebidas quentes, plásticos reciclados, hotelaria e injeção de plásticos. Executivo nas áreas fabril, administrativa/financeira, marketing e vendas. Escreve artigos com foco nos aspectos econômicos e de gestão das empresas para jornais e revistas. Desenvolve consultoria e palestras nas áreas mercadológica, contábil/financeira e fabril. Autor do livro: Por que não? Técnicas para Estruturação de Carreira na área de Vendas.

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