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A rede virtual dos engarrafados

Por Carlos Nepomuceno

Data de Publicação: 18 de Dezembro de 2006

Se existe algo que paulista entende é engarrafamento.

Assim, nada mais natural que partisse deles a rede virtual dos engarrafados.

A iniciativa é da Rádio Eldorado, da capital paulista, que incorporou informações sobre trânsito enviada pelos ouvintes, via celular, à sua programação.

A qualquer minuto entra alguém "diretamente do volante" para contribuir muitas vezes não só sobre informações sobre congestionamentos, mas sobre a causa, sugerindo mudanças em horário de realização de obras, tempo de semáforo, etc.

Ali, temos no coração do Brasil um exemplo atual, vivo e popular (fora da web) da nova comunicação horizontal do muitos para muitos, gerando inteligência coletiva, que pode servir de modelo para outras iniciativas na Internet e fora dela.

Vejamos os ingredientes necessários que explicam, justificam, reforçam e intrigam nessa experiência, que são universais a qualquer projeto de comunicação horizontal:

As causas que fazem com que este tipo de rede se forme:

Do cenário geral

Excesso de informação e falta de tempo para digestão. Doença do tempo moderno, o que faz com que haja uma completa impossibilidade da rádio em acompanhar todos os engarrafamentos que ocorrem a cada minuto em

São Paulo. É o mesmo fenômeno com a multiplicação dos websites, livros, pesquisas relevantes para tomar decisões na nossa vida.

Do ponto de vista do cliente

Multiplicação dos olhos. Interesse da comunidade sobre como saber, evitar e sair dos engarrafamentos. Sabendo que cada um, ou uma rádio tradicional, não consegue ser suficientemente ágil para cobrir todos os locais, no tempo necessário, nada melhor do que o próprio engarrafado tomar a dianteira. O problema que fica para depois: como interagir apenas com os que estão próximos do meu caminho?

Do ponto de vista da empresa promotora

Procura de novas formas de interação com o público para criar um diferencial competitivo frente à concorrência. Oportunidade de negócio, usando a rede de usuários, que trocam informações e geram dados originais, ágeis e úteis do interesse do público, como faz a

Amazon, que permite comentários bons ou ruins dos visitantes sobre os produtos;

As conseqüências que são geradas depois que uma rede muitos-para- muitos se forma:

Do cenário geral

Uma nova forma de comunicação. Redes como esta da Rádio Eldorado se multiplicarão dentro e fora da web, envolvendo som, fotos e vídeos, já que cada cidadão será (e muitos já são) uma micro-equipe-de-reportagem-ambulante circulando por aí com seus celulares com voz e câmeras - carentes de interação. Ali, qualquer um é repórter, com a ampliação por milhares da capacidade de prospecção do mar diário de novidades. É o resultado da entrada de uma nova tecnologia, que permite a ampliação dos emissores, como são os computadores em rede e agora os celulares, reforçando o potencial dos grupos de interesse.

Do ponto de vista do cliente

Aumento do status social do participante ao ser útil para a comunidade. Além do benefício direto para todos, cada um visualiza e usufrui de um reconhecimento social, o mesmo fenômeno já visto no desenvolvimento das comunidades virtuais em rede, o que reforça a força do voluntariado, vide Linux, MP3, Wikipedia. Resta saber, é algo para sempre, ou cíclico?

Do ponto de vista da empresa promotora

Mudança do perfil do profissional de comunicação. Com a entrada em cena de um ávido batalhão de repórteres voluntários, pois notem bem a mudança: o ouvinte não entra no ar para opinar, como até já é de costume, mas para principalmente informar. A rede muda aos poucos o perfil dos veículos de comunicação, que diminuem profissionais na prospecção e apuração e passam a gerenciar a recepção e filtragem das ligações. Passam assim de geradores de informações para administrador de comunidades de usuários voluntários;

Questões para o futuro, enquanto estamos engarrafados

Se todas as rádios adotam o modelo ouvinte-ouvinte qual será o diferencial entre elas? Será daqueles que conseguir gerir melhor a comunidade?

Passada a novidade, os usuários exigirão contra-partidas para participar? O voluntariado romântico dará lugar ao mercantilismo interesseiro? Este é um fato sempre natural? Há formas de manter o voluntariado inicial?

Como focar as comunidades de usuários por engarrafamentos de interesse? Naqueles que realmente me atrapalham? Rádios web regionalizadas? Comunidades de celulares como rádios-amadores por área de circulação?

Digam-me, ando curioso.

Sobre o autor

Carlos Nepomuceno é Doutorando em Ciência da Informação pela Universidade Federal Fluminense é consultor e jornalista especializado em Tecnologia (Informática e Internet), com larga experiência em projetos nestas áreas. Foi um dos primeiros webmasters do Brasil. Atualmente, presta consultoria permanente para as seguintes instituições: Petrobras, IBAM e Sebrae-RJ. É professor do MBA de Gestão de Conhecimento do CRIE/Coppe/UFRJ, com a cadeira "Inteligência Coletiva" e coordenador do ICO - Instituto de Inteligência Coletiva.

É autor, com Marcos Cavalcanti, do livro O Conhecimento em Rede Publicado pela Campus/Elsevier, é o primeiro livro no Brasil a discutir a WEB 2.0, a levantar paradigmas quanto à inteligência coletiva e a mostrar, na prática, como implantar projetos desta natureza. O livro trata desta nova revolução cultural, social e tecnológica a que todos estamos expostos.

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