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Há tecnologia para mudar o mundo, mas faltam pessoas para isso.

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 29 de Maio de 2013

É muito interessante voar para o oeste em um horário em que o Sol acaba de esconder-se. Ele nasce novamente, graças à esfericidade da Terra, sua órbita e a essa coisa feita pelo homem, mais pesada que o ar, que desafia a natureza diuturna e faz o astro rei retornar do seu ocaso. Ninguém parece incomodar-se com essa maravilha humana: ver, à noite, o crepúsculo, da janela do avião. 

Retorno agora de um evento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, onde participei de profundas discussões sobre o uso de tecnologias da informação e comunicação para a prevenção de conflitos e melhoria da gestão democrática. Indo direto ao ponto, deixando para explicar melhor logo adiante, expus três causas radicais da existência de conflitos: dinheiro, governo e religião. Propus duas abordagens para encaminhar soluções: eliminar as barreiras à educação e deixarmos de ser hipócritas. 

Agora explicando. Avançamos tanto com as tecnologias que é ridículo, hoje, termos, no governo, representantes que não nos representam efetivamente. Nós os elegemos para ver nosso voto amplamente desperdiçado em coisas que não nos beneficiam. Nossos eleitos deveriam ser os arautos das nossas vontades, plenamente manifestadas através das redes sociais, e não ir contra as mesmas fingindo não conhecê-las ou subvalorizando as emanações do mundo virtual, como se fossem algo quimérico. Melhor termos a representação direta, sem intermediários, das nossas vontades expostas a um estado enxuto, automatizado, eficiente, aberto e seguro. Aberto de forma a permitir a constante auditoria de todos, garantindo sua segurança e incorruptibilidade. Eficiente para permitir sua inovação sem burocracia inútil, atendendo de forma plena as necessidades dinâmicas dos cidadãos. Enxuto para que os impostos sejam mínimos e a população perceba benefícios em pagá-los. 

A adequação de um software que possibilite tudo isso será muito mais econômica e viável do que a manutenção do congresso, senado e demais câmaras estaduais e municipais. Sobrará dinheiro para remunerar melhor bons servidores públicos, especialmente professores. 

Claro, para podermos ter uma democracia direta, não essa pouco representativa e desacreditada que está posta, a tecnologia deve garantir a real identificação positiva dos cidadãos, sua segurança e privacidade, além o amplo acesso de todos aos meios que permitam sua participação nos processos de decisão e governança. Tal estrutura já está em construção para outros fins. Basta acelerar sua implantação. Ainda existirá, claro, a estrutura política e governamental mínima, executiva e renovável pelo voto, garantindo a execução de nossas vontades na chefia de uma máquina estatal concursada, mas sem estabilidade. Cada funcionário público poderá ser demitido por seus patrões, cidadãos politizados e educados.

O dinheiro é quase uma obra de ficção. É um circulante criado do nada, sem mais qualquer lastro rastreável, pelas instituições financeiras. Não é possível acabar de imediato com o dinheiro, mas sim eliminar a sobrecarga desnecessária causada pela intermediação dos bancos. Tecnologias como o Bitcoin, baseadas na confiança entre os pares que trocam dinheiro entre si, são extremamente seguras, estão prontas para serem implantadas e eliminam os bancos das transações financeiras. Devemos seguir pensando, porém, em outras maneiras de distribuição justa de bens necessários ao conforto de todos sem a manutenção da escravidão pelo dinheiro.

Governos e dinheiro têm a ver com a dominação do outro perante conquistas territoriais e controle sobre a propriedade de bens. A internet já viabiliza a aldeia global, onde é ridículo pensar em fronteiras e impossibilidade de comunicação entre pessoas. O recepcionista do hotel onde fiquei, em Istambul, comunicava-se com os hóspedes de qualquer nacionalidade com a ajuda do Google Translate, que ficava sempre aberto em sua máquina.

Agora, a religião, outra causa de conflitos, é algo que deve ser tratado com mais cuidado. A religiosidade humana manifesta-se há tempos imemoriais e por mais que se possa vasculhar suas origens e questionar seus mitos e dogmas, ela é algo ao mesmo tempo pessoal, coletivo e muito presente. Sinto-me seguro em afirmar que governos, na forma que conhecemos hoje, estão ultrapassados e devem ser eliminados em favor da evolução para uma administração global, democraticamente direta. Da mesma forma, temos que trilhar um caminho para a eliminação do dinheiro. Mas dizer que se deva dar fim às religiões seria o equivalente a pedir que as pessoas abandonem parte de sua natureza elementar. O melhor remédio, aqui, é uma educação para o respeito e a tolerância.

A remoção das barreiras à educação de todos é algo a ser perseguido e também há tecnologia disponível para isso. Educadores sempre serão fundamentais e devemos investir neles para garantir sua plena atualização e o melhor uso dos recursos tecnológicos. Como governos e dinheiro ainda existem, não podemos esperar uma outra realidade ainda por vir antes de atuarmos. Acho que a melhor forma de garantir recursos para a educação é acabar com programas hipócritas, tal como a guerra contra as drogas e o assistencialismo.

Governos gastam trilhões no combate a algumas drogas e seguem taxando outras que circulam livremente. Por quê governos devem decidir quais drogas devem ou não ser consumidas por cada cidadão? É pior um barato de um baseado do que a embriaguez com algum destilado nacional de sua preferência? Repassem esses trilhões integralmente para a educação e permitam que os coitados que só conseguem sua dose diária de fuga e alegria no crack tenham alguma outra oportunidade.

Depois de participar do evento em Istambul, fui para Dublin visitar minha filha afetiva, a Joice. Um programa assistencial do governo da Irlanda propiciou o surgimento de um grupo conhecido como Knackers. Eles são jovens em situação de pobreza que recebem, sem maior esforço, algum dinheiro e até roupas do governo. Infelizmente, somos programados para a lei do menor esforço. Se recebemos algo por nada, não daremos nada em retorno. Como resultado, esses jovens não fazem nada além de importunar, muitas vezes de forma violenta, os imigrantes que, na Irlanda, fazem os trabalhos que eles mesmos não se dignam a fazer. Por outro lado, os imigrantes em Dublin, em sua maioria jovens que usufruem de um visto de trabalho e estudo que pode ser renovado por até três anos, trabalham como garçons, seguranças, faxineiros, recepcionistas e gastam a maior parte do que ganham na própria Irlanda ou em viagens por países da comunidade européia, aquecendo uma economia que já está longe de ser das melhores. Infelizmente, programas assistenciais paternalistas apresentam resultados similares em várias outras partes do mundo.

Já o microcrédito, o empréstimo de pequenas quantidades de dinheiro a pessoas que podem utilizá-lo para melhorar sua condição de vida, tem apresentado resultados impressionantes. Vale a pena conhecer a experiência de organizações como a Kiva e o trabalho de Muhammed Yunus. Dadas as devidas condições, qualquer pessoa prospera. O nivel de inadimplência no pagamento dos empréstimos feitos pela Kiva e pelo Grameen a pessoas muito pobres é absurdamente menor do que os feitos por instituições financeiras clássicas a pessoas mais privilegiadas.

Concluindo, temos tecnologia suficiente para melhorar o nosso mundo. Falta-nos a ação e vontade política. Se já podemos subir em uma coisa mais pesada que o ar e fazer o sol nascer novamente, depois de posto, quantas vezes quisermos, podemos fazer qualquer coisa. Dedique um tempo para pensar sobre alguma pequena ação que você pode tomar para melhorar o nosso mundo e mais outro tempo para convencer mais duas pessoas a fazerem o mesmo. Esse mundão aí é nosso! Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos quietos e calados achando que não podemos fazer nada, ou que outros possam fazer algo em nosso lugar.

Abaixo o mapa mental que usei para a minha apresentação no evento do PNUD em Istambul.


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Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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