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Facebookcídio

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 14 de Março de 2011

O Giba Assis Brasil, responsável pela montagem de filmes sensacionais como Antes que o Mundo Acabe, Saneamento Básico e tantos outros anunciou seu Facebookcídio com uma contagem regressiva. A cada dia que se aproxima de sua derradeira despedida da rede ele brinda seus amigos com reflexões, ora ácidas, ora bem humoradas, da vida na rede social. Se eu me lembro bem, foi o Giba que falou que o Orkut havia lhe possibilitado retomar o contato com pessoas que ele levou anos (e muita terapia) tentando esquecer.

Em uma destas reflexões, Giba cita o texto de Zadie Smith para a revista Piauí, Quero ficar na geração 1.0. O texto é surpreendentemente longo para algo disponível na web. Eu confesso que não sou um leitor de grandes textos na tela do computador. Não gosto do "jeito". Para textos maiores eu ainda acredito em livros e revistas. Ainda quero, porém, experimentar um bom tablet. Quase imprimi o texto de Zadie para lê-lo de maneira "normal", mas troquei minha vontade por um ato de respeito à natureza.

Lá pela metade do texto, Zadie diz, citando Mark Zuckerberg interpretado por Jesse Eisenberg no filme A Rede Social:

Ele usa as palavras 'conectar' e 'conexão' como um crente usa o nome de Jesus, algo intrinsecamente sagrado. 'A ideia é que através do site as pessoas entrem em conexão umas com as outras e compartilhem informações com as pessoas com quem estão conectadas...' A meta é a própria conexão. A qualidade da conexão, a qualidade da informação que passa por ela, a qualidade das relações que essa conexão permite - nada disso é importante. Parece nunca lhe ter passado pela cabeça que muitos programas de rede social acabem estimulando explicitamente as pessoas a estabelecerem conexões fracas e superficiais umas com as outras, ou que isso possa não ser necessariamente positivo.

Zadie optou por sair do Facebook dois meses após ter entrado. O parágrafo acima mal começa a expor todas as razões de sua decisão. Não concordo com a maioria delas, mas não posso negar que elas estão expostas de uma forma extremamente clara, elegante e inteligente. Aliás, textos assim são o padrão da revista Piauí e também do blog do Giba. Tomei conhecimento do texto de Zadie através de um post do Giba no Facebook, através do qual estamos conectados. Toda a vez em que eu converso pessoalmente com o Giba eu tomo contato com uma série de outros textos, livros e ideias. Mas quem me garante que exatemente este texto de Zadie surgiria em uma conversa ou ambiente outro que não o Facebook?

Tá certo. Eu perco oportunidades de ler outros textos legais porque, enquanto leio um, milhares de coisas acontecem no Facebook, na Internet, na vida de forma simultânea e eu sou apenas um sujeito incapaz de multiprocessamento. Mas esta conexão internética, uma extensão da conexão afetiva e em alguns momentos física (no sentido heterossexual da coisa) não pode ser subvalorizada. Toda a evolução da espécie humana foi motivada pelo aumento no número de conexões. Somos gregários. Escrevíamos cartas, usamos telefones, trazemos gente para o nosso convívio usando todo o tipo possível de conexões. Isto não é obra da Internet, do mundo 2.0, do Facebook. Isto é o que somos.

Mais adiante no texto, a crítica de Zadie chega a meter medo:

Quando uma pessoa se transforma numa série de dados num website como o Facebook, tudo nela fica menor: a personalidade individual, as amizades, a linguagem, a sensibilidade. De certo modo, não deixa de ser uma forma de transcendência: perdemos nosso corpo, nossos sentimentos contraditórios, nossos desejos, nossos medos - o que me faz pensar que aqueles de nós que sempre recusaram, com repulsa, o que vemos como uma ideia burguesa hiperinflada da identidade individual talvez tenham exagerado no sentido inverso: as identidades despojadas que assumimos na rede não mostram mais liberdade. São, apenas, mais controladas por alguém.

Isto é fato. A hiperexposição é um perigo para a nossa liberdade. Um perigo que passa despercebido pois nossa privacidade é invadidada de forma tão sutil que não percebemos a infinidade de algoritmos que varrem nosso perfil, nosso comportamento, nossas conexões de uma forma tão completa que exibem, com precisão cada vez maior, a propaganda exata do produto que estamos propensos a comprar. Uma coisa que sabe qual o livro que eu quero ler sabe o que eu estou pensando. Pode antecipar minhas ações. Para o bem ou para o mal. E agora o Facebook Connect irá, na prática, estender a rede social à toda e qualquer página da Internet.

De novo, e como sempre, somos colocados entre a cruz e a espada, na escolha do conforto ou da liberdade, um em cada lado de uma escala na qual movemos o cursor entre um lado ou outro. Também, sem novidades aqui. No feudalismo, enquanto camponeses, escolhíamos estar subjugados a um senhor desde que nossos impostos garantissem um exército de cavalheiros e as muralhas que nos permitiam viver em segurança. Ou ao menos com uma sensação de segurança. Formamos vilas, cidades, nações para garantir a nossa segurança e conforto abrindo mão, às vezes mais, às vezes menos, de nossa liberdade.

O que não deixo de pensar, especialmente depois de ler o texto de Zadie, é na influência que as redes sociais tiveram na rebelião popular do Egito. Um dos líderes da oposição era executivo do Google. Será que estamos, simplesmente, escolhendo um novo senhor feudal e estamos todos felizes da vida com isso?

Este texto é dedicado ao Giba Assis Brasil. Giba, se saíres mesmo do Facebook, me manda um email todos os dias contando o que andas lendo, pensando, fazendo. A conexão contigo é uma das que quero manter e intensificar.

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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