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O pomo da discórdia: reciclar ou inovar em Educação?

por Jaime Balbino

Data de Publicação: 21 de Maio de 2007

A FAIR (Fair Alocation of Infotech Resource - algo como "justa distribuição de recursos de informática") é uma Organização Não Governamental (ONG) e sem fins lucrativos, dedicada a recolher computadores descartados no 1o mundo(sic), montando com eles salas de informática em países pobres(sic). Há algumas semanas esta instituição incitou a OLPC (One Laptop Per Children - "um laptop por criança") a rever seu modelo de inclusão digital, baseado em computadores novos de baixo custo. O duro texto que foi escrito iniciou um debate nesta rede social, incluindo-se membros da própria OLPC. Chegou-se a argumentar sobre a validade do uso do modelo construtivista em micros portáteis(!).

Porém, se nos detivermos neste primeiro texto, veremos que a FAIR não faz uma argumentação razoável e demonstra desconhecimento do projeto. Ela repete críticas comuns, algumas razoáveis, e também demonstra ignorância quanto aos objetivos, estratégia e conceito envolvidos.

Tais críticas não consideram os novos paradigmas que estão sendo trabalhados. A FAIR deve ter pessoas sérias e qualificadas, que trabalham a muito tempo com um modelo de inclusão digital. Porém, "olhar" o projeto da OLPC com os mesmos parâmetros de projetos tradicionais de inclusão, ignorando as novas variáveis e tendências que ele revela/defende, faz aflorar apenas as divergências entre os dois pontos de vista. E isto está muito longe de provar sua inviabilidade.

Os argumentos da FAIR

Alto custo - Considerando-se a possibilidade de oferecer acesso pessoal/individual à tecnologia COM mobilidade, o projeto da OLPC é o mais barato hoje e em toda a era da informação. Comparado com outras tecnologias de acesso público e sem mobilidade (telecentros, laboratórios de informática, etc...) ele também tende a ser uma opção econômica, conforme a planilha amplamente divulgada e constantemente atualizada do jornalista José Antonio, que está se tornando o estudo estatístico mais amplo sobre o tema.

Alto risco tecnológico - O artigo diz que todo o software para o projeto OLPC deve ser específico para a plataforma. Isto não é verdade. Um dos objetivos da OLPC é manter a compatibilidade com tecnologias e padrões já existentes e se envolver com as principais tendências em software livre e tecnologias abertas. Os softwares devem ser no máximo otimizados para trabalhar nele. Alguns simplesmente não rodarão por exigir muita memória, capacidade de processamento e aceleração de vídeo, mas estes constituem aplicações específicas e quase sempre há alternativas. Os bons softwares da atualidade, bem planejados e otimizados, como o navegador Opera, rodam sem alteração alguma. Outros ainda pesados, como o Firefox, estão sendo melhorados para "caber" no projeto. Estes trabalhos de otimização beneficiam todos os demais usuários de computadores, pois tornam os programas melhores e mais rápidos. A Mozilla, por exemplo, já está anunciando o desenvolvimento do Firefox para plataformas móveis com características de processamento semelhantes à OLPC, um nicho de mercado que o atual browser não poderia entrar com suas atuais características. A OLPC já gerou dezenas de inovações em hardware, software e tendências tecnológicas. Todas aproveitáveis por outras plataformas.

Marketing mal-intencionado - Aqui o artigo critica o termo "US$ 100" atribuído inicialmente ao projeto. Esta é uma meta definida no início de 2005, quando o lançamento. Funciona como marketing e para lembrar um objetivo a ser alcançado. A FAIR acusa a OLPC de com isso querer "esconder e desviar o foco das falhas". Com certeza este nome chama a atenção e com o tempo se tornou um ponto crítico que não desapareceu com a introdução dos termos OLPC e XO. Mas as acusações de ocultação ainda assim são infundadas, os wikis e listas de discussão mantidos pela OLPC discutem abertamente problemas e soluções para a plataforma.

Público Alvo errado - O artigo diz que o público alvo seria menor do que o anunciado induzindo os governos a comprar máquinas para crianças mais velhas (entre 12 e 18 anos). A declaração do Negroponte no qual a FAIR se baseia já está defasada. Além disso provavelmente Negroponte se referia ao déficit educacional em países periféricos, que obriga a qualquer programa de universalização do ensino fundamental considerar o atendimento para além dos 6 a 12 anos (chamado nos EUA de K12). Mesmo considerando-se o restante do ensino básico (13 a 17/18 anos), o projeto da OLPC ainda é válido. O artigo ignora que a OLPC não oferece um modelo pronto e acabado de currículo e de implantação, cabe ao governo local decidir autonomamente como fará uso dos equipamentos. "Tirar" este direito de definir políticas dos gestores locais é uma falha grave do artigo, que demonstra um viés ideológico ultrapassado de seus autores.

MIT e OLPC são antiéticos - Aqui ele diz que a OLPC não conseguirá entregar o que promete, e que faz muita propaganda. O artigo foi escrito em 17 de janeiro deste ano, depois dos primeiros XOs terem chegado para teste nos países interessados e depois da política de desenvolvimento ter ficado mais clara (inclusive a meta de $100 até 2008). Simplesmente não há argumentos que sustentem tal acusação.

A proposta da FAIR: Reciclar

A FAIR sugere como alternativa o uso de PCs VELHOS, colhidos em países RICOS e enviados para os países POBRES... Não, eu não estou sendo preconceituoso nas palavras que escolhi, são estes os termos utilizados pela FAIR em todo seu artigo e no seu site. Somando-se à crença demonstrada de que tais países não tem capacidade para gerir autonomamente seus projetos educacionais, como comentei acima, podemos perceber o ponto de vista defendido por esta entidade e, consequentemente sua extrema dificuldade em compreender os novos paradigmas levantados pela OLPC. Por fim, o artigo também embute uma defesa do adestramento para o mercado de trabalho, posição bem diferente, diria até frontalmente contrária aos objetivos da OLPC.

Respondendo a uma carta de Negroponte em seu site, a FAIR, além de manter sua posição e argumentos, também "clama" para que a OLPC "reveja seu projeto", adaptando-o ao modelo defendido pela FAIR. Ora, desconsiderar completamente outras alternativas é, na minha opinião, prova da dificuldade em se trabalhar a diversidade. Por que a FAIR não se permite aceitar a existência de projetos alternativos ao seu?

Há um anacronismo latente nesta instituição. O maior que já vi. Outros sites críticos, como o o OLPC News, também formado por militantes em outros modelos de inclusão digital, conseguem ir muito além e DIALOGAR com o projeto, apresentando críticas que terminam por se converter em melhorias e aprimoramentos ao modelo original.

O relacionamento entre os diferentes é mais do que necessário em nosso mundo, e este é um dos principais motes do trabalho da OLPC. Esta característica está desde a concepção inicial do projeto e é plenamente coerente com os preceitos que pretende-se ver trabalhados dentro da sala de aula.

No Brasil, discussões assim também surgem, mas considero a discussão nestes casos bem mais qualificada que a acima. A reciclagem de equipamentos para a inclusão digital é uma possibilidade de trabalho que, como qualquer outra iniciativa, possui pontos fortes e fracos, assim como tem vantagens e limitações. Não se trata de substituir um modelo pelo outro, mas de construir alternativas, das mais variadas para as mais diferentes situações reais.

Sinceramente, não consigo ver um debate travado desta forma como algo relevante para o desafio da inclusão.

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Sobre os autores

Jaime Balbino Gonçalves

Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.

jaimebalb (em) gmail (ponto) com

Marcos Silva Vieira

Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.


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